domingo, 19 de julho de 2009

Mortes no futebol

No portal UOL Notícias (dia 19/07, às 18h15min) Elaine Patrícia Cruz, da Agência Brasil, apresentou estudo de Maurício Murad, sociólogo e professor da UFRJ, que concluiu que o Brasil lidera o ranking de mortes em confronto no futebol. Por evidente esse assunto me interessa, pois tudo que se relaciona à criminalidade no desporto eu estudo. Este é meu objetivo nos próximos três anos. Informo aos interessados: http://noticias.uol.com.br/cotidiano/2009/07/19/ult5772u4685.jhtm
Não sou sociólogo, mas algum tempo pensei sobre quais fatores contribuem para esse tipo de violência. Vou aproveitar o espaço para transcrever o que parcialmente concluí. Começo pela ausência no texto constitucional - e exemplo disto é o diploma português - de diretiva relacionada à prevenção da violência associada ao desporto. Esta omissão contribui de forma negativa no aumento da criminalidade e, como efeito conseqüencial, agrava a crime moral vivida na sociedade nacional, mormente relacionada à juventude. Em relação a estes, a existência de acentuado percentual de desinteresse pelos estudos ou pelas escolas, pela ambição de um labor honesto ou de uma boa profissão proporciona a proliferação assustadora de condutas criminosas praticadas antes, durante e depois dos eventos e fora dos locais a ele destinados. Em outras palavras, o resultado da falta de sabedoria por parte dos jovens em direcionar suas contrariedades, frustrações e revoltas com tudo o que reside na sociedade, somada à falta de valores familiares e religiosos e a crise da dependência química, favorece o afastamento dos bancos escolares e dos locais de trabalho e, em contrapartida, estimula o crescente e terrível vandalismo desportivo.

A própria modalidade desportiva, na qual o resultado final é aleatório, gerando a incerteza da vitória e mantendo o clima de dúvida até o apito final e, desta forma, uma tensão em torno da atividade conduz, em caso de derrota, manifestações de violência por parte dos jovens e adultos. Contribuição para o presente vandalismo também é fornecida pela conduta dos jogadores, mormente os mais conhecidos, considerados símbolos de cores. Ademais, a rivalidade entre os jogadores nas competições ou mesmo a violência sem qualquer conexão com o exercício regular de jogo estimula diretamente a violência praticada fora das quatro linhas. Os dirigentes desportivos também assumem parcela de responsabilidade no acréscimo da violência, pois é notório o descaso em várias questões, como, por exemplo, a incompetência na promoção dos espetáculos, a ausência de estrutura adequada e de conservação dos estádios, a ausência de organização de um calendário uniforme, a realização de jogos em horários adiantados sem a necessária estrutura que possibilite a todos torcedores o retorno tranqüilo aos lares, dentre tantos outros fatores.
Outro vetor da proliferação desta violência é fornecido pela imprensa. Meirim delineou um importante estudo sobre a influência dos meios de comunicação nos dias que precedem ao embate, concluindo que os veículos de massa “não cessam de alimentar um estado de incerteza fornecendo argumentos e estimulando a imaginação do espectador” [1]. E neste universo tendencioso e persuasivo, como destaca Jacques Selosse, “os indivíduos entram no estádio para descarga emocional e com preconceitos mobilizáveis e reativos as diversas fases do jogo” [2]. E a imprensa vai mais longe ao dar crédito à violência das torcidas organizadas e de seus integrantes – que depredam os arredores dos estádios, danificam lares e veículos coletivos ou particulares e agridem transeuntes – pois registram várias vezes as imagens não apenas com a intenção de noticiar, contudo para auferir preciosos pontos de audiência. Uma vez mais com Meirim tem-se que “os jornalistas dando conta da violência nos estádios, conferem-lhe uma dimensão espetacular, sem a qual ela não teria a mesma intensidade nem a mesma atração para os seus autores” [3]. E ao noticiar maciçamente estes atos dão suporte ao “cultivo do hooliganismo”, pois é notório, segundo Walgrave e outros, que “ao menos um terço dos hooligans tem um álbum com fotografias, artigos de imprensa e outros científicos sobre a violência ocorrida nos estádios de futebol” [4]. E o fenômeno da violência e sua relação com a imprensa têm o maior ibope nas chamadas dos locutores desportivos ao analisarem, por exemplo, o local de jogo como um “campo de batalha”, ao avante como um “matador”, a partida como uma “guerra”, ao simples chute como “tiro” e ao chute forte como um “canhão”. Essas informações traduzem de forma antecipada o clima que envolve a prática desportiva na qual os adeptos “mesmo antes de entrarem no estádio já estão envolvidos, prontos a defender suas opções, difundi-las a sua volta, influenciar os julgamentos e atitudes de seus vizinhos em torno de uma representação bivalente: os bons e os maus, nós contra os outros” [5].

E neste contexto outros fatores podem ser acrescidos, como, por exemplo: o sentimento de anonimato que origina a perda de inibição e de autodisciplina; o momento de fama passageiro ou o prestígio social e de valia pessoal; a reunião de massas; a busca por uma identidade global e distinta que dote de maior sentido sua existência; a irrelevante punição; e, por fim, a ausência de qualquer valor moral [6].
Importa mencionar que não obstante a existência de uma “tipologia de torcedores” [7], infelizmente o desporto assume um rosto camuflado para que a violência nascida no dia-a-dia de nossa sociedade se manifeste. São agentes trajados com as cores de seus clubes aproveitando-se da quantidade de pessoas presentes nas ruas no pré e pós-jogo para consumação de delitos. Em síntese, esses agentes criminosos apropriam-se do espetáculo desportivo com intenções diversas às atividades e possuem as suas ações facilitadas em face da dificuldade ou comodismo dos órgãos de repressão identificá-los junto a uma multidão de reais torcedores.

Neste campo de idéias e diante da presente realidade, algumas considerações finais merecem atenção e delineiam as conclusões do post. Não se deve acreditar em uma virada histórica nos últimos minutos sem a iniciativa de ataque. Logo, mister se faz a realização de um pacto social coletivo. Primeiro através de uma pedagogia desportiva bem orientada. Segundo por meio de uma educação físico-desportiva bem programada e para toda a população. Terceiro através de um jornalismo desportivo mais profissionalizado e responsável. Depois, com normas e regras desportivas mais severas e melhor aplicadas. Por fim, com a promulgação e aplicação de leis penais com sanções exemplares e justas aos seus transgressores [8], pois se aguardar por um milagre final, talvez o desporto já esteja inserido entre as vítimas de sua própria violência.
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[1] MEIRIM, José Manuel. “A Violência Associada ao Desporto. Aproximação a Legislação Portuguesa”, BMJ, n. 389. Lisboa, 1989, p. 12.
[2] SELOSSE, Jacques. “A Violência dos Espectadores nos Estádios. Estrutura, Processo e Efeitos do Contágio”, RDS, n. 119. Lisboa, 1989, p. 4.
[3] MEIRIM, José Manuel. “A Violência Associada ao Desporto. Aproximação a Legislação Portuguesa”, BMJ, n. 389. Lisboa, 1989, p. 12.
[4] WALGRAVE, Lode et al. “As Causas Sociais e Sócio-psicológicas do Vandalismo Futebolístico”, RDS, n. 123. Lisboa: Direção Geral dos Desportos, 1989.
[5] SELOSSE, Jacques. “A Violência dos Espectadores nos Estádios. Estrutura, Processo e Efeitos do Contágio”, RDS, n. 119. Lisboa, 1989, p. p. 5.
[6] Para análise do problema, recomendo: REIS, Heloísa Baldy. “Os Espectadores de Futebol e a Problemática da Violência Relacionada à Organização do Espetáculo Desportivo”, RPEF, n. 17, jul-dez, São Paulo, 2003, p. 85-92; ALBRECH, Hans Jörg. “Violencia y Deporte. Fenomenologia, Explicación y Prevención”, RD, n. 7. Trad. Teresa Aguado Correa et al. Barcelona: Práxis, 2000; LOPES, José Mouraz. “Violência Associada ao Desporto. Uma Perspectiva Portuguesa Jurídico-Penal”, RSDS, n. 8. Lisboa, 1994.
[7] SELOSSE, Jacques. “A Violência dos Espectadores nos Estádios. Estrutura, Processo e Efeitos do Contágio”, RDS, n. 119. Lisboa, 1989, p. 7-12.
[8] Conclusões baseadas no estudo de FERRANDO, Manoel Garcia. “Interpretações Sociológicas da Violência no Desporto”, RSD, n. 41, Lisboa: Direção Geral dos Desportos, 1987, p. 18.
Obs.: Recomenda-se: Direito Desportivo. Tributo a Marcílio Krieger. São Pulo: Quartier Latin, 2009, no qual frisamos as propostas de legislação portuguesa, espanhola, argentina e brasileira sobre o presente assunto.

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