sábado, 1 de agosto de 2009

E agora: homicídio ou aborto?

O início do parto funciona como critério delimitador de identificação entre os dois delitos. A regra é simples: se a conduta tiver lugar antes do início do parto, o objeto de ação é o feto e o bem jurídico tutelado é a vida intra-uterina; portanto, trata-se de aborto. Porém, quando a conduta tiver lugar depois do início do parto, o objeto de ação é uma pessoa e o bem jurídico tutelado é a vida humana; tem-se, por conseguinte, o crime de homicídio, salvo se comprovada a influência do estado puerperal, caracterizadora do infanticídio.

No entanto, há duas questões de resolução extremamente difícil que envolvem os delitos. A primeira diz respeito à tentativa de aborto, com expulsão prematura do feto, que vem a morrer fora do corpo da mãe, por via de outra conduta da agente. Como a mãe será punida? Entende Teresa Brito que sendo a sobrevida do feto inviável ou, embora viável, a mãe não disponha de meios para salvá-lo, responde pelo aborto consumado [1].
Concordamos parcialmente com a solução da autora portuguesa, porquanto não é pressuposto do homicídio a capacidade de vida autônoma do feto, mas seu nascimento com vida. Assim, ao praticar a mãe uma conduta ativa depois do resultado frustrado do aborto, deverá responder pela tentativa de aborto em concurso material com o homicídio, tendo em vista que a consumação frustrada do aborto foi condição indispensável para ela perpetrar a (segunda) conduta geradora do homicídio. Porém, na situação da conduta seguinte revestir-se de natureza omissiva, deverá responder pelo crime de aborto consumado tão-somente se comprovar a total impossibilidade de prestar o socorro (art. 13, § 2°), pois, do contrário, subsiste o mesmo concurso de crimes. Assim deve responder também quando for viável a sobrevida do feto, mas se omitir na ajuda [2]. Por exclusão, responderá apenas por homicídio quando tiver ocorrido o aborto espontâneo com posterior conduta homicida.

Também de resolução complexa é o caso referente às condutas médicas pré-natais, ou seja, praticadas em momento anterior, porém com efeitos verificáveis somente depois de iniciado o ato de nascimento. Assim, por qual crime responderá o médico que ministra uma injeção virulenta na gestante que provoca, após o parto, a morte do feto? Figueiredo Dias resolve o problema por meio da delimitação do âmbito de proteção da norma. Seguindo sua lição, “se os efeitos da atuação pré-natal se iniciaram antes do nascimento haverá o crime de aborto; porém, iniciando-se depois, a incriminação será pelo delito de homicídio” [3]. A solução ainda corresponde à doutrina e jurisprudência alemã dominante [4]. Entre nós não há manifestações quanto ao assunto, sendo que pensamos sensato desprezar o critério temporal (art. 4º) e seguir o posicionamento do ilustre professor de Coimbra.

[1] Brito, Teresa Quintela [et el]. Direito Penal. Parte Especial: Lições, Estudos e Casos. Coimbra: Coimbra Editora, 2007, p. 26.
[2] Dias, Augusto Silva. Crimes contra a Vida e a Integridade Física. 2ª ed. Lisboa: AAFDL, 2007, p. 20.
[3] Dias, Jorge de Figueiredo. Comentário Conimbricense do Código Penal. Parte Especial. Coimbra: Coimbra Editora, 1999, p. 9.
[4] Dias, Augusto Silva. Crimes contra a Vida e a Integridade Física. 2ª ed. Lisboa: AAFDL, 2007, p. 22.

3 comentários:

  1. Caso a mulher aborte, e posteriormente, o feto ainda estando vivo, porém ela não sabe disso, pensa que está morto, joga o feto em um precipício, que vem a falecer por causa da queda, nesse caso, quais o(os) crime(crimes) que ocorreu?

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  2. Sendo provado, homicidio, obviamente.

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  3. homicidio culposo , provavelmente terá perdão judicial. Se naceu sem vida respondera pelo crime de aborto. Caso não seja um aborto provocado será homicidio na forma culposa cabendo perdão judicial devido as consequencias do crime superarem a devida punição para o tipo, caso a mãe sofra ao saber que o filho que ela tanto queria foi morto de uma forma tão cruel e ainda sabendo que ela foi a autora , pois ela de apenas queria se livrar do copor do seu filho pensando que estava morto( cabível perdão judicial).

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