sábado, 8 de agosto de 2009

Entrega de filho menor a pessoa inidônea

Outro crime que se opõe à dogmática moderna é o art. 235 do CP. O delito foi previsto pela primeira vez no ordenamento brasileiro com a promulgação do Decreto n. 17.943-A/27 (Código de Menores), herança do Código Penal Suíço, passando a compor a Consolidação de Leis Penais. No atual Código sofreu modificação com a Lei n. 7.521/84, que deu nova redação ao caput e introduziu seus parágrafos.
O legislador quer evitar que os menores de dezoito anos sejam expostos a influências morais e materiais reprováveis quando entregues, isto é, aos cuidados, de pessoas inidôneas. Mas o que se deve entender por pessoa inidônea? Um ex-presidiário condenado por estupro assim é considerado? O portador de doença contagiosa? O ébrio que procura se desvencilhar do seu vício? A prostituta que perambula pelas ruas? Alguém que estuda direito penal? Qualquer um assim pode ser considerado. Tem-se uma flagrante violação do princípio da legalidade que na prática é mascarada com a consagração de um "tipo penal aberto" que deve ter seu conteúdo preenchido pela atuação do magistrado.
Para o legislador o contato do menor com as pessoas mencionadas já representa uma situação de perigo. Necessário considerar, porém, que a presunção de perigo ao bem jurídico não se coaduna com o moderno direito penal, pois, o Estado somente pode punir as condutas que efetivamente atentem contra o objeto causando-lhe um dano ou, no mínimo, expondo-o ao risco concreto de agressão. Observando parcialmente esse critério o legislador espanhol prevê o delito de abandono sem perigo (art. 229, 1) e com perigo (art. 229, 3), cominando ao último pena de prisão de dois a quatro anos.
Nossa legislação pretérita exigia permanência do menor por tempo considerável com a pessoa inidônea – a longo termo –, caracterizando crime de perigo concreto. Era o correto. O legislador atual, porém, portou-se com impaciência - o que é comum -, antecipando a punição dos pais pelo simples fato de entregarem seus filhos, mesmo que momentaneamente a uma pessoa inidônea. É o que já destacamos: legislador (e olha quem) quer moralizar a sociedade. Tem-se, uma vez mais, desrespeito ao princípio da lesividade ou alteridade.
Uma eventual interpretação literal do dispositivo conduzirá a condenações bastante curiosas, senão vejamos o seguinte caso: o pai, necessitando viajar, entrega o filho menor de dezoito anos ao avô por só um dia para alegria do senhor que adora a companhia do neto; o agente, porém, sabe que seu pai consome assiduamente várias carteiras de cigarro, circunstância que expõe a saúde do infante a perigo. Por tratar-se de crime de perigo abstrato, como pretende o legislador, diga-se, inconvenientemente, o genitor seria responsável, o que constitui contrariedade à dogmática moderna.

2 comentários:

  1. Olá, apesar de sucinto, me ajudou bastante o seu comentário.

    Thiago valim
    thiago-unesc@hotmail.com

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  2. Leonardo nao seria o art. 245??? Art. 235 - Contrair alguém, sendo casado, novo casamento:

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