quinta-feira, 29 de abril de 2010

Crime de concussão


TJSC - 14 anos de prisão para médico que cobrou para atender a pacientes do SUS
Publicado em 28 de Abril de 2010 às 14h05

O médico Fernando José Mendes Slovinski foi condenado em 14 anos e 4 meses de prisão pela prática de concussão (exigir vantagem no exercício da função), na ação penal que responde por cobrar valores de pacientes do Hospital Celso Ramos, em Florianópolis.

Na sentença, a juíza Maria Terezinha Mendonça de Oliveira, da 2ª Vara Criminal da Capital, determinou, ainda, a perda da função pública e a inabilitação para o serviço público de Slovinski, que terá de pagar às vítimas os prejuízos sofridos.

As irregularidades praticadas pelo médico vieram à tona por meio de emissora de televisão local, que exibiu filmagem, efetuada por familiares de Edla Hausmann Weber, da cobrança de R$ 3 mil para realização de exames - que deveriam ser feitos pelo SUS (Sistema Único de Saúde).

Assim como ela, outros 10 pacientes também pagaram para serem atendidos no Hospital Celso Ramos, onde Slovinski estava lotado. O hospital atende principalmente pelo SUS. Os valores cobrados variaram de R$ 3 mil a R$ 6 mil, no período entre outubro de 2004 e junho de 2008, quando as infrações foram reveladas.

Na sentença, a juíza salientou que as pessoas vão ao Hospital Celso Ramos justamente em busca de tratamento gratuito, custeado pelo SUS. Como agravante, ela apontou que, além de usar as instalações da instituição, Slovinski também usava o material, com despesas e prejuízos decorrentes dos atendimentos irregulares, cobrando como médico particular.

Para a magistrada, o médico “aproveitou-se do desespero e da dor das vítimas para obrigá-las a pagar por um serviço que deveria ser gratuito”. A juíza destacou um fato ocorrido no curso do processo: Slovinski procurou duas vítimas, dizendo que lhes devolveria o valor pago, se entregassem todos os documentos apanhados no hospital.

“Com tal atitude, o réu assumiu a prática do delito descrito na exordial acusatória. Iludir pessoas idosas e doentes, quando deveria cuidar da saúde delas. Fazer as pessoas venderem bens móveis para pagar por serviços, que deveriam ser gratuitos”, concluiu Maria Terezinha. Da sentença cabe apelação.

Nº do Processo: 023.08.059711-7

Fonte: Tribunal de Justiça de Santa Catarina

Insignificância em concurso de agentes no furto

É aguardar o mérito...

STF - Ministro concede liminar em HC de acusado de furtar R$ 17 e um frasco de perfume
Publicado em 28 de Abril de 2010 às 09h02

O ministro Ayres Britto, do Supremo Tribunal Federal (STF), concedeu liminar no Habeas Corpus (HC) 103312, em favor de T.R.A., denunciado pelo crime de furto qualificado (artigo 155, parágrafo 4º, inciso IV, do Código Penal), por ter supostamente furtado a quantia de R$ 17,00 e um frasco de perfume usado. O HC foi impetrado em face de decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ).

Em sua decisão, Ayres Britto relatou que o denunciado e seu cúmplice ingressaram na residência da vítima, enquanto esta dormia, e levaram sua carteira, contendo documentos pessoais, R$ 30,00 e um frasco de perfume. Os acusados dividiram entre si a quantia subtraída e fugiram. Todavia, alertados por uma testemunha, policiais militares identificaram T.R.A. e o prenderam em flagrante, encontrando com ele a quantia de R$ 17,00 e o vidro de perfume.

A denúncia contra T.R.A. pela suposta prática do crime de furto qualificado foi julgada procedente, e o réu, condenado à pena de 2 anos de reclusão e multa, sendo substituídas por duas penas restritivas de direito, quais sejam a prestação de serviços à comunidade e a limitação do final de semana. O Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJ-MG), por sua vez, reduziu a pena para 1 ano e 4 meses de reclusão e multa, mantida a substituição fixada pela sentença.

Em face da decisão do TJ-MG, a defesa de T.R.A. impetrou HC no STJ, sob a alegação de que o valor total dos bens furtados pelo réu, além de ínfimo, não afetou de forma expressiva o patrimônio da vítima, motivo pelo qual o caso incidiria na espécie do princípio da insignificância. Nesse sentido, deveria ser reconhecida a inexistência do crime de furto pela sua atipicidade.

O STJ, no entanto, indeferiu o pedido da defesa que, inconformada com a decisão, impetrou o presente habeas corpus no Supremo com argumentos semelhantes, destacando que o caso “se coaduna perfeitamente ao princípio bagatelar” e que “se não há lesão, não há crime”.

Decisão

Ao acolher as alegações da defesa de que estariam presentes os requisitos do periculum in mora (perigo na demora) e do fumus boni iuris (fumaça do bom direito) para a concessão de liminar, o ministro Ayres Britto decidiu conceder a medida cautelar solicitada. “É que se me afigura ocorrente, neste exame provisório da causa, a plausibilidade jurídica do pedido veiculado nesta impetração”, disse, lembrando precedentes da Suprema Corte: os Habeas Corpus 96823 e 95957, de relatoria do ministro Celso de Mello.

Com a decisão, ficarão suspensos, até o julgamento definitivo do HC 103312, os efeitos da condenação de T.R.A. nos autos da apelação criminal em trâmite no TJ-MG.

Fonte: Supremo Tribunal Federal

Tentativa de homicídio pela transmissão do HIV

Dos temas mais polêmicos e mais interessantes de estudo...

STF - Adiado julgamento de acusado de homicídio por transmitir AIDS à namorada
Publicado em 28 de Abril de 2010 às 08h41

Um pedido de vista do ministro Ayres Britto adiou o julgamento do Habeas Corpus (HC 98712) de J.G.J., que responde a processo de tentativa de homicídio por transmitir o vírus da AIDS a duas namoradas e tentar transmitir a uma terceira.

A própria defesa do acusado relatou que ele foi contaminado pela esposa, que por sua vez recebeu o vírus em uma transfusão de sangue. Após a morte da esposa e ciente da doença, em 2001, ele começou a namorar D.R.A. e não revelou sua condição de portador do vírus. O casal sempre se relacionava usando preservativo até que uma noite, revela a defesa, ele teria se aproveitado do fato de a companheira estar dormindo e manteve com ela relação sem o uso do preservativo, o que levou à contaminação.

O mesmo aconteceu com uma segunda namorada, C.G.S.C., que também foi contaminada, em 2002, quando abdicaram do uso de preservativo, depois de algum tempo de namoro. Em 2006, o HC cita um terceiro namoro, dessa vez com A.G.S., para quem o acusado revelou que tinha o vírus da Aids. Ele chegou a tentar se relacionar com ela sem proteção, mas ela não aceitou. Com isso, essa última namorada não foi contaminada.

A defesa sustenta que não se pode mais tipificar a ação de quem contamina outros com o vírus da AIDS como tentativa de homicídio, porque a Síndrome da Imunodeficiência Adquirida deixou de ser uma doença fatal no Brasil.

Julgamento

O relator do caso, ministro Marco Aurélio, votou no sentido de desclassificar o delito como tentativa de homicídio e enviar o processo para distribuição em uma das varas criminais comuns do estado de São Paulo. Desta forma, o processo não seria julgado pelo Tribunal do Júri e sim por um juiz.

Ele salientou que há tipo específico previsto no Código Penal para caracterizar a conduta do acusado. Trata-se do artigo 131, que impõe pena de um a quatro anos de reclusão a quem “praticar com o fim de transmitir a outrem moléstia grave de que está contaminado, ato capaz de produzir o contágio”.

No mesmo sentido votaram os ministros Dias Toffoli e Cármen Lúcia Antunes Rocha. A ministra, por sua vez, destacou o risco de ele ser submetido a um júri para julgar a prática de um determinado tipo de crime, que seria homicídio, quando o crime praticado teria sido outro.

Em seguida, o ministro Ayres Britto pediu mais tempo para analisar o caso. Ele concordou que há uma previsão legal específica, mas disse ficar um pouco inquieto ao considerar que “a AIDS não é uma moléstia grave, é mais do que grave, é letal”. Por outro lado, lembrou que a doença comporta tratamento que prolonga, e muito, a vida daquele que a contrai.

Com essas considerações, adiou o julgamento com pedido de vista.

Liminar indeferida

O ministro Marco Aurélio já havia analisado a questão em caráter preliminar ao indeferir o pedido de revogação da prisão preventiva. Na ocasião, ele destacou o entendimento do Ministério Público, segundo o qual a conduta caracteriza crime hediondo, uma vez que o acusado costuma ocultar sua condição de portador do vírus e, se solto, poderia fazer novas vítimas. Na ocasião, o ministro negou a liminar por entender que a liminar se confundia com o mérito.

Processo relacionado: HC 98712

Fonte: Supremo Tribunal Federal

Tortura por omissão

STF - 2ª Turma do STF mantém condenação por prática de tortura na modalidade de omissão
Publicado em 28 de Abril de 2010 às 08h41

A Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) negou o Habeas Corpus (HC 94789) com o qual a defesa de Erasmo Freire Souza pretendia afastar a condenação que lhe foi imposta pela Justiça do Rio de Janeiro por não ter evitado que sua companheira maltratasse o filho dela. Erasmo foi condenado por omissão com base na Lei nº 9.455/97, que define os crimes de tortura, à pena de cinco anos e quatro meses de detenção em regime semiaberto. O dispositivo legal estabelece que aquele que se omite em face dessas condutas, quando tinha o dever de evitá-las ou apurá-las, incorre na pena de detenção de um a quatro anos. No caso de Erasmo, a pena foi aumentada em razão do agravante de o crime ter sido cometido contra uma criança indefesa.

No HC ao Supremo, a defesa argumentou, sem sucesso, que Erasmo não teria “o dever jurídico” de impedir o crime de tortura praticado por sua companheira, mãe da criança submetida a maus tratos, porque, segundo o Código Civil, o dever de cuidar da criança é do pai e não do companheiro da mãe da criança, por isso, não se pode equiparar um ao outro. Relator do HC, o ministro Eros Grau afirmou que não há como acolher a tese da defesa porque o condenado e a mãe (corré) viviam em sociedade conjugal de fato. “Ele tinha pleno conhecimento das torturas infligidas à criança e se omitiu quando poderia tê-las evitado. Ele tinha a obrigação de proteger uma criança indefesa, se não de direito pelo menos de fato”, afirmou o relator.

Habeas Corpus semelhante já havia sido negado monocraticamente pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ). Erasmo ficou preso durante a instrução criminal, recebendo alvará de soltura quando da sentença absolutória. Como houve recurso do Ministério Público, foi determinada a expedição de mandado de prisão contra ele. Sua defesa sustentou que conduta não pode ser considerada crime, uma vez que como companheiro da mãe da criança torturada, não tinha o dever de cuidado necessário para ser condenado pelo crime, na modalidade omissiva.

Processo relacionado: HC 94789

Fonte: Supremo Tribunal Federal

segunda-feira, 26 de abril de 2010

O valor da academia...


É como a propaganda do cartão... tem coisas que não têm preço.

"Caríssimo Leonardo, boa tarde! Tenho a honra de informar, na condição de membro da comissão de formatura, que você foi o escolhido em votação realizada pela turma para ser o nosso Paraninfo. Assim sendo, serás homenageado na cerimônia para colação de grau prevista para a noite do dia 07/08/2010. Como a nossa turma é a primeira do curso de direto a se formar, você também leva consigo a prerrogativa de ser o primeiro Paraninfo de uma turma de direito da faculdade. Confesso que, pessoalmente, fiquei bastante feliz com o resultado da votação. Forte abraço, parabéns. Atenciosamente".

Agradeço a todos ... Vemo-nos em agosto. Até.

quinta-feira, 22 de abril de 2010

Reconhecimento e preocupação acadêmica


Mais ou menos no início do mês passado o universitário JUAREZ VILLELA FILHO, acadêmico de Direito na PUC-PR, escreveu em uma lista de emails solicitando material para um trabalho de direito civil sobre desconsideração da pessoa jurídica. Outros colegas indicaram bibliografia. Fiz o meu dever como professor (embora não da matéria) e indiquei meu primeiro livro. O acadêmico o leu para cumprir a meta universitária. Mas foi além: no final de semana "comeu" o livro e falou que se tornou fácil aprender a parte geral do Código Civil. Entusiasmado, fez a propaganda e vendeu exemplares (penso que no total foram 13 discentes que o compraram). Ele escreveu faz pouco tempo o seguinte email: 'Fui com 9 em Civil. E do pessoal que comprou e usou seu livro, 10 foram acima da média e em geral a turma foi mal pacas. Sucesso!!!! Astral. Juba". A notícia é duplamente estimulante. Em primeiro lugar pelo sucesso pessoal do aluno. Os bônus dessa conquista são todos seus. Em segundo lugar, pelo resultado positivo como um todo. Ótimo o percentual de aproveitamento daqueles que compraram o material. Mas à alegria soma-se uma preocupação.

Fico preocupado, porém, com os demais. Poderia dizer que é uma excelente hora para comprar meu livro, mas não. Na "desgraça" não se busca proveito. Os fatores desse momentâneo insucesso podem ser variados e não cabe aqui dissertar sobre. Mas deixo registrado algo que entendo pertinente. O que mais me preocupava quando comecei a dar aulas e, principalmente, aos alunos do primeiro ano, como aqueles da disciplina de direito civil parte geral, era como tornar fácil o aprendizado. JUAREZ relatou após ler o livro que as coisas eram mais simples do que pensava. O segredo do direito civil a ele foi revelado. É isso que eu tento fazer com o direito penal: revelar segredos. Como eu faço: exemplifico o que eu falo. Para um aluno de primeiro ano não adianta jogar teorias, falar de Liszt, de Megzer, de Welzel, Roxin e achar que vc é bom porque sabe tantos nomes diferentes. Você tem que fazer ele compreender o que está escutando. O que me "salvou" no início de carreira: associar teoria e prática. Como: exemplificando tudo. O estudo de casos dirigidos, de seminários específicos, de fazer o aluno ser advogado, promotor ou juiz é excelente. Já pensou 1h40min de teoria do delito a cada duas vezes por semana: de falar sobre tipicidade, antijuridicidade, culpabilidade, etc., sem mostrar como isso se aplica, quando se exclui o crime. Posso garantir: as aulas ficam dinâmicas, o aluno não vai embora antes do final, voce fica estimulado. Por isso digo e repito... em tudo há necessidade de aproximar a ciência da jurisprudência... principalmente, quando se é professor.

sábado, 17 de abril de 2010

O silêncio dos inocentes

Semana passada quando estava no Brasil tive a oportunidade de substituir o amigo Alexandre Morais da Rosa na UFSC. Para mim uma alegria, pois pude retornar ao palco no qual ministrei a primeira aula como docente. Ainda uma baita responsabilidade, dada a inteligência e o carisma que o substituído possui. No entanto, o tema proposto pelo Alexandre me deixou mais tranquilo, pois, afinal, trata-se de um daqueles em que ocupo grande parte do meu tempo: a embriaguez ao volante. Vou destacar aqui o "bate bola" com os alunos sobre parte da aula: a comprovação da materialidade delitiva do art. 306 da Lei n. 9.503/97 por meio de prova testemunhal. O texto é um pouco grande, mas insisto que os interessados acompanham o raciocínio até o seu final, pois entendo que é possível acrescentar alguma coisa com sua leitura.

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A mais relevante polêmica descortinada com a promulgação da Lei n. 11.705/08 diz respeito ao nascimento sem vida do preceito quanto à constatação da concentração da embriaguez se o condutor do veículo automotor se negar em ceder seu corpo ou parte dele para a realização do teste de alcoolemia. Explico melhor. Para configuração do crime, em sua redação anterior, não bastava que o agente dirigisse o veículo automotor após o consumo de álcool, uma vez que era necessário que estivesse sob o seu efeito, ou seja, que conduzisse anormalmente por estar embriagado. Para a aferição dessa circunstância – e conseqüente tipificação delitiva, pois espécie de norma penal em branco – o juiz recorria ao art. 276 da Lei n. 9.503/97 que estabelecia o limite com o qual o agente estava impedido de dirigir, isto é, seis decigramas de álcool por litro de sangue ou três décimos de miligramas de álcool por ar expelido dos pulmões conforme fator de conversão decorrente da Lei Henry. Este fator de conversão era aplicado pelo Tribunal de Justiça de Santa Catarina:

“Pela legislação de trânsito, a concentração de 0,6 dg/l de álcool no sangue equivale a 0,3 mg/l de álcool no ar expelido pelos pulmões, ressaltando-se que as suas medições se fazem por meio de diferentes exames. O primeiro é conhecido como exame de sangue e o último por bafômetro, ou seja, enquanto um se utiliza de amostra de sangue o outro é feito por meio do ar expelido pelos pulmões. Registra-se que as grandezas utilizadas a medir tais índices se diferem, e como pode se observar são respectivamente decigrama por litro de sangue e miligrama por litro de ar expelido dos pulmões” (Recurso criminal n. 2005.027273-0, de Itajaí, rel. Des. Solon d'Eça Neves, j. 04/10/2005).

Relevante afirmar que se o agente embriagado se negasse a realização do exame era possível suprir sua omissão por todos os meios de prova em direito admitidos. Isso antes da reforma legislativa operada em meados de 2008. Com a redação atual, para completa tipificação também é necessário provar a concentração mínima de álcool no organismo do condutor do veículo, pois se trata de uma imposição legal taxativa. Resta precisar se qualquer prova em direito continua apta à aferição desta circunstância ou se há exigência dela ser obtida só pela análise pericial? O mesmo Tribunal de Justiça recentemente decidiu:

“Embriaguez ao volante. Art. 306 da Lei n. 9.503/97. Necessidade de dar interpretação hermenêutica à Lei n. 11.705/08, para atender aos seus próprios fins. Ausência do teste do bafômetro. Estado etílico que pode ser demonstrador por outras provas. Recurso ministerial provido. Ao operador de direito, atendo as incongruências do legislador, outra solução não resta do que lançar mão da hermenêutica jurídica para decifrar a vontade da lei em face da realidade do país e da necessidade de impor mais rigor aos infratores das normas de trânsito” (Apelação criminal n. 2009.007530-3, de Seara, rel. Des. Irineu João d Silva, j. 19/05/2009).

Para justificar seu posicionamento o relator se socorreu de doutrina pátria anterior a edição da nova lei de trânsito quando, por certo, era possível suprir a omissão. Pois bem! A falta de realização do teste do bafômetro ou do exame de sangue não afastava a possibilidade de comprovação da ebriedade por outros meios, mas o Desembargador deixou de atentar que isso era antes da entrava em vigor da Lei n. 11.705/08.

Ainda afirmou que considerar imprescindível a existência do exame pericial por meio do bafômetro para aferição da tipicidade do crime do art. 306 da lei de trânsito seria atentar contra vários princípios de processo penal brasileiro e, inclusive, da lógica. A meu ver se trata de posicionamento equivocado. Com a nova redação legal a prescindibilidade do exame pericial não poderá mais ocorrer, não obstante seja apurada suficientemente a embriaguez por meio de prova testemunhal dos policiais, porque, por exemplo, como equiparar o exame pericial com um exame ocular? A mesma conclusão é alcançada por um setor da doutrina: “é que, por mais meticulada e atenta que seja uma testemunha, ela jamais poderá afirmar que o agente se encontrava ou não com o nível de concentração de álcool acima mencionado. Ou, por mais competente e preciso que seja o médico, é impossível ele assegurar, com base em um exame clínico, que o motorista possuía cinco ou sete decigramas de álcool por litro de sangue”. O que atenta contra a lógica é tentar buscar aquela equiparação. Mas, ainda, há atentado contra a coerência, e mais, contra a inteligência, achar que não haverá contradição de depoimentos no sentido de negar ou afirmar a embriaguez, como inclusive destacou a mesma Corte de Justiça:

“Apelação criminal. Crime de trânsito. Teste do bafômetro inexistente. Impossibilidade de comprovação do estado de ebriedade do motorista através de prova indireta, porque, na espécie, há apenas o depoimento de um policial, que não corrobora com as demais testemunhas ouvidas em juízo. Materialidade do crime não comprovada. Absolvição que se impõe” (Apelação criminal n. 2007.053271-1, de Xaxim, rel. Des. Rui Fortes, j. 26/10/2009).

Ademais, uma interpretação extensível do art. 277, § 2° da Lei n. 9.503/97 como procede alguns membros do Tribunal referido, está totalmente proibida, pois com a Lei n. 11.705/08 o legislador ao redacionar o artigo tão-somente faz referência expressa à infração administrativa de embriaguez ao volante (art. 165). A título de comprovação da incorreta interpretação destaco passagem de voto vencido em julgamento pela Primeira Câmara Criminal da Corte Catarinense:

“A propósito, certamente influenciado por esse mesmo pensamento, com o objetivo de reprimir o elevado número de acidentes automobilísticos, é que, após a citada Lei n. 11.705/08, o § 2º do art. 277 passou a ter a seguinte redação [...] Se por um lado, a partir de 08 de fevereiro de 2006 (Lei n. 11.275/06), não há mais dúvida quanto à possibilidade de recusa do condutor do veículo de produzir prova contra si mesmo, de outro lado há possibilidade dos policiais autuarem motoristas alcoolizados, quando perceberem o estado alterado e irregular do condutor. A prova, nesse caso, será indireta, feita por meio de exame clínico ou testemunhal” (Apelação criminal n. 2009.064582-5, da Capital, voto vencido, rel. Des. Rui Fortes, j. 26/10/2009).


Quando achei que apenas o Tribunal Catarinense interprteava erroneamente a lei de trânsito, eis que deparo com a mesma medida aceita pelo Tribunal do Mato Grosso do Sul:

“Habeas corpus. Conduzir veículo sob o efeito de álcool. Preliminar. Via inadequada. Prefacial que confunde com o mérito. Pedido de trancamento da ação penal. Indícios de autoria e materialidade. Matéria fática. Inadmissibilidade de análise. Constrangimento ilegal não caracterizado. Ordem denegada. Havendo, em princípio, indícios de autoria e prova da materialidade, ainda que feita por meio de testemunhas, nos termos do art. 277, § 2º, do Código de Trânsito Brasileiro, com a redação que lhe deu a Lei n. 11.275/06, não há falar em trancamento da ação penal por falta de materialidade” (Habeas corpus n. 2009.001854-7, rel. Des. Gilberto Castro, j. 17/02/2009).

No caso, o impetrante havia alegado ausência de justa causa para a persecução penal, pois não haveria prova da materialidade do crime do art. 306 da Lei n. 9.503/97, uma vez que não houve a realização do exame de alcoolemia para demonstrar que no momento dos fatos a concentração de álcool no seu sangue era maior que a prevista na lei de trânsito. A ordem foi denegada sob a justificativa da possibilidade de aferição da alcoolemia por prova testemunhal com base no art. 277, § 2º, com a redação que lhe emprestava a Lei n. 11.275/06: “assim, uma vez que a prova da materialidade do crime imputado ao paciente pode ser demonstrada por outros meios de prova, e não apenas por exames periciais, não há falar em trancamento da ação penal em curso”.

O relator apenas não se ateve a um detalhe (o mesmo que contaminou a decisão do julgador da Corte Catarinense): esta regra, no momento dos fatos – dia 28/11/2008, conforme ele mesmo destacou – apresentava nova redação, pois foi alterada no mês de junho do referido ano. Logo, o constrangimento ilegal que já era evidente tornou-se ainda maior. Conseqüentemente o impetrante propôs novo habeas corpus, decidindo o STJ nos seguintes termos:

“[...] Processual penal. Habeas corpus. Art. 306 do Código de Trânsito Brasileiro. Alegação de ausência de justa causa para persecução penal. Comprovação da embriaguez. Exame de alcoolemia não realizado por falta de equipamentos na cidade. Realização de exame clínico. [...] Para a comprovação do crime do art. 306 do Código de Trânsito Brasileiro, o exame de alcoolemia apenas pode ser dispensado nas hipóteses de impossibilidade de sua realização (inexistência de equipamentos necessários na comarca ou recusa do acusado a se submeter ao exame), quando houver prova testemunhal ou exame clínico atestando indubitavelmente (prontamente perceptível) o estado de embriaguez. Nessas hipóteses, aplica-se o art. 167” (Habeas corpus n. 132.374, rel. Min. Félix Fisher, j. 06/10/2009).

O Tribunal ad quem não observou o equívoco do Tribunal a quo. E mais, a meu ver praticou outro equívoco. Infere-se que o exame de alcoolemia não foi realizado por falta de equipamento hábil na comarca, contudo como houve o exame visual os nobres julgadores entenderam pela presença de indício de materialidade do crime e, portanto, denegaram a ordem. A análise é simples: além de negar a efetividade do art. 306 da Lei de Trânsito, o Tribunal da Cidadania pode ter desfavorecido o impetrante por uma falha do próprio sistema, pois, se o condutor não tivesse ingerido o suficiente para ultrapassar o limite legal, mas aparentasse o estado de embriaguez, como faria prova de inocência sem os recursos hábeis para tanto? Atente à doutrina dos expertos: “é sabido existirem pessoas que toleram concentração relativamente alta de álcool, [...], enquanto outras, em contrapartida, sofrem sérios transtornos, tanto somáticos quanto mentais, por influência de baixa alcoolemia, sem correspondência a um estado de embriaguez”.

O Ministro recorreu à regra do art. 167 do Código de Processo Penal, pela qual “não sendo possível o exame de corpo de delito, por haverem desaparecido os vestígios, a prova testemunhal poderá suprir-lhe a falta”. Esta solução também é sustentada por parte da doutrina nacional quando não for possível realizar o exame para indicar a concentração de álcool no sangue, existem outros tipos de prova, como a testemunhal ou exame clínico, que atestam indubitavelmente o estado alcoólico do condutor. E ainda o Tribunal de Justiça de Santa Catarina em precedente já citado:

“Embriaguez ao volante. Art. 306 da Lei n. 9.503/97. Necessidade de dar interpretação hermenêutica à Lei n. 11.705/08, para atender aos seus próprios fins. Donde se conclui, na linha esboçada pela doutrina, que, fiel ao que prescreve o art. 291 do Código de Trânsito Brasileiro, aplicando-se aos crimes de trânsito as normas gerais do Código de Processo Penal, nas infrações que deixam vestígios, será indispensável o exame de corpo de delito (art. 158), mas não sendo ele possível, por haverem desaparecido os vestígios, a prova testemunhal poderá suprir-lhe a falta” (Apelação criminal n. 2009.007530-3, de Seara, rel. Des. Irineu João d Silva, j. 19/05/2009).


Ainda que o Código de Trânsito contemple a aplicação subsidiária das normas processuais, o preceito remetido deve ser interpretado com reservas para que o exame de corpo de delito não seja substituído indevidamente pela prova testemunhal, ainda mais em casos de falha do próprio sistema penal. E sobre a desídia do condutor em não se submeter ao exame pericial e sua impossibilidade de substituição pela prova ocular ou testemunhal, disserta com propriedade Heráclito Mossin: “verifica-se pelo texto legal que a prova testemunhal apresenta-se como expediente meramente supletivo para a comprovação do corpo de delito, somente sendo admissível quando for impossível a perícia por impedimento legal ou por fato absolutamente invencível. Se a inspeção, por exemplo, não pode ser realizada porque por incúria da pessoa interessada os vestígios desapareceram, não poderá esta inspeção ser substituída pela prova testemunhal, uma vez que não se verifica na espécie fato absolutamente invencível”. Ainda salienta Callegari: “sabiamente a embriaguez é intoxicação provisória que deixa vestígios, tornando-se indispensável o exame de corpo de delito, devendo o estado etílico ser demonstrado por especialista e não por policiais ou agentes de trânsito”. Em síntese, aceitar uma prova testemunhal para substituir o exame pericial obrigatório significará a legitimação pelo Estado de utilização de prova ilícita. É deixar de consagrar, enfim, o silêncio dos inocentes. Portanto, atualmente, a existência material do fato punível só poderá ocorrer por meio de exame de corpo de delito, sob pena de implicar em nulidade processual.

sexta-feira, 16 de abril de 2010

"Sistema prisional não funciona"


O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Cezar Peluso disse hoje que "nitidamente, o sistema prisional não funciona" e que "é preciso encontrar alternativas a ele". A afirmação foi feita durante o 12º Congresso das Nações Unidas sobre Prevenção ao Crime e Justiça Criminal, realizado em Salvador. "Os Estados, sobretudo os da América Latina, não têm condições de responder às demandas de dignidade humana dos presos, e as prisões não só não conseguem ressocializar os presos, como, muitas vezes, o preso sai muito pior do que entrou", disse. "Há certos casos em que o que se faz ao preso é um crime contra o cidadão. Os Estados precisam encontrar alternativas à prisão, de acordo com suas características, seus recursos e sua realidade." Peluso preside o Comitê Permanente da América Latina para Revisão e Atualização das Regras Mínimas das Nações Unidas para o Tratamento de Presos. O grupo tem como objetivo levantar propostas para a melhoria dos sistemas penais dos países da Organização das Nações Unidas (ONU) - que seguem uma resolução aprovada na primeira edição do congresso que ocorre em Salvador, há 60 anos. "Nosso foco é a criação de uma comissão na ONU, que aprove uma convenção internacional sobre o tema", disse. O ministro, que assume dia 23 a presidência do STF, afirmou que o monitoramento eletrônico de presos "é uma opção que está sendo estudada" e que a questão da progressão de penas "é um problema secundário nesse contexto". Peluso não quis comentar o caso do acusado de seis homicídios em Luziânia (GO), que teria cometido os crimes após obter o benefício da progressão de pena - mesmo tendo contra si laudos atestando sua incapacidade de convívio em sociedade. "O caso pode, eventualmente, ser tema de análise do Supremo", justificou.

Princípio da insignificância

Voltando do Brasil, insisto com a insignificância...

STJ - Superior tranca ação de um acusado de furtar R$ 60
Publicado em 15 de Abril de 2010 às 09h31

A Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) trancou ação penal contra um acusado de furtar R$ 60 de um estabelecimento comercial. O habeas corpus era contra decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo que, ao não aplicar o princípio da insignificância, denegou a ordem de trancamento da ação.

No habeas corpus, a defesa sustentou que é nítida a falta de justa causa para a ação penal, já que o prejuízo causado à vítima é insuficiente para afetar o bem jurídico tutelado pela norma penal.

Ao decidir, o relator, desembargador convocado Celso Limongi, destacou que a consequência da conduta praticada pelo agente não resultou prejuízo significativo, porque a quantia representa pouco mais de 10% do salário mínimo nacional.

“A conduta do réu não teve repercussão social a justificar o édito condenatório, ainda que se considere que a pena foi fixada em um ano de reclusão, em regime prisional aberto, e ao pagamento de dez dias-multa”, acrescentou. HC 119817

Fonte: Superior Tribunal de Justiça

sábado, 10 de abril de 2010