quinta-feira, 22 de julho de 2010

Blog do Marcelo Cunha

Marcelo Cunha, de considerável currículo acadêmico e profisisonal, apresentou em seu blog o que ele chamou de desafio depois de fazer referância à morte do filho de uma atriz global atropelado em um túnel na cidade do Rio de Janeiro.

Para acessar: http://marcelocunhadearaujo.blogspot.com

Vou responder as questões como se estivessem direcionadas a minha pessoa e de modo informal.

"Leonardo, você conhece alguém que permaneceu preso durante o processo em qualquer crime de trânsito (inclusive homicídio doloso no trânsito)?"

Marcelo, em primeiro lugar faço um pequeno esclarecimento: muitas vezes o homicídio ocorre no trânsito, porém isso não significa existir um crime de trânsito. Só é crime de trânsito aqueles previstos no Código de Trânsito. Então não é correto elencar o homicídio doloso no trânsito como um crime de trânsito.

Feito esse esclarecimento Marcelo, também devo dizer que como a Lei dos Juizados Especiais é direcionada aos crimes de menor potencial ofensivo e tem como objetivo a não aplicação da pena privativa de liberdade, as chances de alguém permanecer preso já diminuem bastante. Apenas os crimes de homicídio culposo de trânsito e embriaguez ao volante não são delitos de menor portencial lesivo. O crime de lesão corporal culposa de trânsito é de menor potencial, mas pode ter os benefícios da Lei n. 9.099/95 restringidos em algumas condições. Mas é claro que o fato de os dois primeiros ilícitos não revestirem essa adjetivação, não significa que o autor do delito de trânsito deverá permanecer preso durante todo o processo. Explico.

Marcelo, como bom profissional que acredito que você seja, certamente tens um Código Penal. Se você abrir no art. 44 terás a possibilidade de ver que é possível, para qualquer crime culposo, a substituição da pena privativa de liberdade por pena restritiva de direito. Pois bem! Assim, pensemos: que lógica tem em alguém permanecer preso durante todo processo por homicídio culposo de trânsito se, ao final, quando condenado - e recordo que cabe ao Ministério Público provar a culpa - a pena será sustituída? Bem, como não sou apresentador de TV e, portanto, não quero ganhar ibope, por evidente vou responder que não tem lógica. Espero ter sido claro.

Logo, veja você Marcelo, que só restou uma chance: deixar preso durante todo o processo o autor do crime de embriaguez ao volante. Continuando. Sabe vc que a prisão ou é em flagrante ou é preventiva. Flagrante por embriaguez vemos ao montes, mas a prova legal da embriaguez para fins de caracterização do crime só pode ser feita de uma forma: por exame pericial. Logo, se não foi feita por meio da análise do sangue do condutor essa prisão é ilegal e deve ser relaxada. Assim, não verás ninguém preso durante todo o processo, salvo se for POBRE o desafortunado ou se o o juiz negar o pedido de relaxamento depois de um parecer desfavorável de um promotor que, como o togado, não tem hábito de abrir a Constituição Federal e, depois, se o mesmo ocorrer no TJ respectivo e nas instâncias de "justiça" superiores. Prisão preventiva nesse caso? (Risos). Quem é o mágico do promotor que conseguiria sustentar os requisitos no art. 312 se nem a prova da materialidade do crime é obtida de forma legal?

Ah, mas vc falou de homicídio doloso no trânsito. Aí Marcelo, como não tenho muito tempo para responder, primeiramente devo lembrar a você que nada de concreto foi apurado. Soubemos do infeliz acontecimento, mas não soubemos como ele ocorreu. Se eu fosse o promotor, por exemplo, não diria que haverá impunidade, pois seria uma declaração precipitada. Mas Marcelo, há algo importante que eu queria dizer. A tônica nas Instâncias de controle no que se refere ao crime de homicídio no trânsito é sempre concluir pela sua prática dolosa e não culposa. E aqui deixo registrado duas razões: a conversão automática pelos promotores de justiça da natureza da ação praticada e o fenômeno da juridicização da opinião publica. Assim, Marcelo, como nada se apurou, eu repito, não pode ninguém, muito menos um promotor que, a meu ver, está acima da média do senso popular, concluir que o homicídio foi doloso. Já foi concluído o IP? Nem mal cremaram a infeliz vítima e já se sabe que o homicídio foi doloso? Quem falou: Ana Maria Braga? Ah, aliás, a influência da imprensa certamente ocorrerá em decorrência do falecido ser filho de uma global, patrocinada por apresentadores incultos e que se consideram baluartes da moralidade, exigindo - como aqui você questionou - prisão urgente e, depois, penas graves. Isso Marcelo, na prática, só acarreta imprecisão no Judiciário e a ruptura com a técnica jurídica.


"Leonardo, você conhece alguém que, respondendo solto (que é a regra, quase sem exceções), foi ao final condenado em sentença criminal transitada em julgado NÃO CONVERTIDA EM PENA ALTERNATIVA?"

Por certo sua pergunta continua relacionada aos delitos de trânsito ou, então, ao homicídio doloso ocorrido no trânsito. Devo dizer que particularmente não conheço Marcelo. Mas sabe, legalmente isso será possível, pois por que não haveria, obviamente comprovada a autoria e a materialidade do delito (e não havendo justificantes e exculpantes), uma condenação? E óbvio que pode não ocorrer a substituição da pena de privação de liberdade por restritiva de direito. Mais uma vez o Código Penal responde isso. Já que não tenho dúvida que você está se referindo ao homicídio doloso, claro, depois do trânsito em julgado, indico as três possibilidades: a pena aplicada tserá superior a quatro anos e o delito de homicídio no trânsito é praticado com violência contra a pessoa da vítima; ou o condutor é reincidente em um outro crime doloso; ou, as circunstâncias judiciais não indicarem. Mas como eu disse, eu não conheço, mas se um promotor nao conhece é porque, salvo engano, pode nao estar fazendo muito bem seu trabalho que é, inclusive, ler a sentença prolatada pelo magistrado.


"Leonardo, conhece alguém que, condenado à pena de prisão não convertida em penas alternativas, efetivamente cumpriu ao menos um ano recluso?".

Advoguei muito pouco Marcelo e aqueles com quem convivo não são criminosos ou, ao menos, como diria Freud, não potencializaram sua veia criminal, isso quanto ao homicídio doloso que se pratica no trânsito. Mas essa questão me intranquiliza, pois, para o agente alcançar a liberdade de duas uma: ou é por meio do livramento condicional ou é por meio da progressão de regime. E pelas frações legais que ser aplicadas, no mínimo uns dois anos o agente deveria ficar preso. Se nao fica há algo de muito errado, inclusive pelo não controle do próprio Ministério Público. Se isso realmente está ocorrendo penso que é importante averiguar realmente.

Ah, por fim, já que vc concedeu a todos os visitantes do seu blog o direito de responder ao desafio -a princípio, não chamaria assim, pois foi possível responder facilmente as tuas questões - eu gostaria de concluir com um autor que você por certo deve conhecer: Pierangeli. Esse afirmou: "bem se disse que quando a emoção está no seu máximo, o direito está no seu mínimo".

Obrigado.


4 comentários:

  1. Boa noite Leonardo, lendo o blog do Marcelo Cunha cheguei até aqui. Ao meu ver, o que ocorre no caso do atropelamento do Rafael é que as provas indicam que houve "racha". Assim, parcela da doutrina entende que há presunção relativa de dolo eventual. No entanto, como há resistência dos nossos Tribunais em reconhecer dolo eventual nos crimes de trânsito (lamentavelmente) a impunidade é praticamente certa para os autores da infração ora comentada. Mudando de assunto,fui advogada criminal por mais de 05 anos. E sempre senti que os colegas achavam que os promotores eram os vilões do processo penal. Espero estar enganada, mas vc tb me passou esta impressão. Parabéns pelo blog, sinceramente, gostei muito.Grande abraço, Karina

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  2. Karina, obrigado pela sua manifestação. Apenas enfatizo algumas coisas.

    Primeiramente devo dizer que não possuo ligação ou dependência com qualquer instituição forense ou com a prática da advocacia. Estou vinculado com a ciência penal. Exerço a tarefa de simples investigador. E nesse exercício, ao contrário do que voce destacou, a tônica - nos Tribunais - nos casos de crimes de homicídio no trânsito é a aplicação do dolo eventual. E, desculpe se discordará, somente por meio de manifestações atécnicas, respaldadas na "emoção" das "provas".

    No próprio blog do Marcelo, quando ele destaca a reportagem do acidente fatal, logo no início a delegada diz que não há provas de que houve dolo (ou que seria muito cedo para afirmar). Se houve ou não, até isso ser apurado precisamente eu nao posso manifestar. Essa antecipação está clara no discurso do Marcelo e enfatiza a sua própria indiganção quanto à pena cominada ao crime de homicídio culposo de trânsito e a sua eventual aplicação na sentença. A promoção de justiça não pode impor um "jogo desleal", mas sim manifestações leais em prol da reforma de nossa legislação. O que estou cansado é desse sensacionalismo barato promovido também pelos promotores. Estou cansado de "datenismo" ou de "ana maria braguismo".

    Aliás, particularmente e especificamente sobre o racha, enfativo que os competidores conhecem que a participação numa corrida gera perigo intenso, porque o veículo vira uma arma letal em suas mãos. Eles conhecem o perigo que pode decorrer de sua conduta antes mesmo de iniciá-la e, por meio de uma decisão racional, desprezam por completo a segurança de bens jurídicos em troca de simples emulação. O equívoco no “tudo vai acabar bem” (Puppe)não deve ser aceito. Neste caso, a meu ver, defendo uma reprovação dolosa. Apenas o faço de forma jurídica (faltou isso no discurso do blogueiro).

    Ademais, uma leitura do texto que propus pode passar conotação diversa daquela que poderia derivar se o mesmo texto fosse falado. Como dizia meu avô, "a escrita faz a imaginação fluir" e isso desde os livros infantis. Mas não acho ninguém "lobo mau". O que eu apenas não concordo, e o digo academicamente, é o trato superficial que uma questão altamente polêmica levanta. Refiro-me, é claro, a diferença entre o dolo eventual e a culpa consciente.

    Por fim, como diz o prefaciador do meu livro sobre os crimes de trânsito que em breve será lançado, "minhas posições não são unânimes, nem muito menos pacíficas, pois primeiramente não estou preocupado em agradar o senso comum teórico do direito, mas em fazer uma análise propositiva, muitas vezes contra o que está estabelecido. Em segundo lugar, não sou um abolicionista que faz a crítica pela extinção do sistema penal, nem, de outro lado, concordo com o expacionismo penal. Pondero, desde um ponto de vista sólido do Direito Penal, sobre os limites, funções e estrutura do DP no Estado Democrático de Direito" (Alexandre MOrais da Rosa).

    Verás, se tiver oportunidade de ler meu livro que, embora não faça um promotor nenhum super herói, proponho mudanças na lei de trânsito para buscar construir um modelo penal de trânsito para jungir o desejável e o factível e, consequentemente, auxiliar na diminuição da indignação por parte do MP. Apenas cumpro esse propósito imbuído da doutrina agostiniana de que o relevante nao é vencer todos os dias, mas lutar sempre, especialmente contra uma máxima que, em temas de DP, valem os argumentos das autoridades e nao a autoridade dos argumentos.

    Leonardo

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  3. Obrigada pela resposta. O número do HC q postei no blog do Marcelo realmente está errado. O correto é STF, HC 100.472.

    Um abraço, Karina

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  4. Karina, como não é possível saber o email de quem escreve, desejando receber interessante material, escreva-me: professordebem@gmail.com

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