segunda-feira, 11 de julho de 2011

Um porre de embriaguez ao volante: a primeira dose


O Superior Tribunal de Justiça, em dia bastante aguardado por esse subscritor, definirá quais meios de prova são legítimos para a caracterização do estado de embriaguez do condutor de veículo automotor. A pretensão é buscar uma uniformização de jurisprudência, pois os ministros das duas turmas têm posições conflitantes. O relator da matéria será o Ministro Napoleão Nunes Maia Filho. Tratar-se-á do julgamento do Recurso Especial n. 1.111.566/DF.

Pois bem! Em resumo absurdo, a 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça admite apenas a utilização do bafômetro para aquele desiderato, ao passo que a 5ª Turma também invoca a possível utilização de prova testemunhal. Particularmente, por razões já apresentadas em outros contextos e que se baseiam na Constituição, atualmente, segundo o teor de nossa Lei de Trânsito, sou contra a utilização, inclusive, do bafômetro. Imaginem, com efeito, o que penso sobre essa possível ampliação probatória para fins de tipificação da conduta delitiva do art. 306 do CTB.

Mas não irei entrar no mérito da questão. O que quero apresentar nesse pequeno ensaio é o que poucos verdadeiramente conhecem, isto é, a origem dessa polêmica que tem como personagem principal o ilustre relator da matéria acima destacado. Vamos lá!

O Ministro julgou o RHC n. 26.432/MT em 19/11/09 com publicação oficial em 22/02/2010. Esse precedente tem sido reiteradamente utilizado nas Cortes Estaduais. Abaixo a ementa:

“Recurso ordinário em habeas corpus. Tipicidade. Crime de trânsito. Embriaguez ao volante. Art. 306 da Lei n. 9.503/97. Recusa ao exame de alcoolemia. Inviabilidade da pretensão de trancamento da ação penal pela ausência de comprovação de que preenchido o elemento objetivo do tipo. Concentração de álcool do sangue. Desnecessidade de realização de exame específico para aferição do teor de álcool no sangue se de outra forma se puder comprovar a embriaguez. Estado etílico evidente. Parecer ministerial pelo desprovimento do recurso. Recurso desprovido” (STJ, 5ª Turma, Recurso em habeas corpus n. 26.432/MT, rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, j. 19/11/09, DJ 22/02/2010).

Lançando um olhar não apenas à ementa da decisão – como é a praxe na prática forense – mas também ao corpo do acórdão, vê-se que o Ministro Napoleão Nunes Mais Filho expressamente aderiu ao parecer ministerial da Subprocuradora-Geral Célia Regina Souza Delgado, tendo em vista que o considerou IRREPREENSÍVEL. Transcrevo trecho do parecer:

“[...] não subsiste a alegação de que a falta de realização de exame de alcoolemia induz à atipicidade, pois a jurisprudência desse Egrégio STJ tem admitido a comprovação da materialidade do delito por outros meios de aferição da embriaguez [...]”.

Na seqüência a Subprocuradora-Geral fez citação, para ilustrar sua tese, de outro julgado – este da lavra do Ministro Gilson Dipp – no qual restou consignado que a constatação de embriaguez poderá ser realizada por meio de outras provas em direito admitidas. Reproduzo textualmente:

“[...] a recusa do condutor do veículo legitima os agentes de trânsito à realização de outro tipo de prova para se verificar a presença de notórios sinais de embriaguez, excitação ou torpor, resultantes do consumo de álcool. Este outro tipo de prova é o Auto de Constatação de Embriaguez, realizado através da observação do comportamento do condutor apreendido” (STJ, 5ª Turma, Recurso em habeas corpus n. 20.190/MS, rel. Min. Gilson Dipp, j. 24/04/2007, DJ 04/06/2007).

Posto isto, entendo necessário realizar alguns comentários: já não vejo com bons olhos um magistrado se valer do parecer ministerial como forma de decidir. Acaba-se por relatar uma decisão indireta. Ademais, corre-se o risco da proposta ministerial apresentada ser equivocada, como neste caso. E AQUI ATENÇÃO TOTAL! Infere-se que a Subprocuradora se valeu de um precedente do Superior Tribunal de Justiça (RHC n. 20.190/MS, Min. Gilson Dipp) que faz menção a um texto de lei já não mais vigente à época do fato apurado no processo em que àquela emitiu seu parecer (RHC n. 26.432/MT, Min. Napoleão Nunes Maia Filho).

Esclareço que a ação delituosa ocorreu no dia 25 de setembro de 2008, conforme contato telefônico com o Cartório criminal da comarca de Diamantino, interior do Mato Grosso, realizado no dia 19 de abril do corrente ano, com decisão interlocutória de recebimento da denúncia no dia 14 do mês de outubro de 2008 por firma da Juíza de Direito Substituta Melissa de Lima Araújo, isto é, meses depois de o texto do art. 277, § 2º da Lei n. 9.503/97 ter sido MODIFICADO pela Lei n. 11.705/08. Essa alteração, no entanto, parece não ter sido relevante para a parecerista que continuou atribuindo existência e eficácia a um preceito já modificado.

QUESTIONO: é esse o parecer que é IRREPREENSÍVEL?

Para tocar com as mãos o que estou tentado demonstrar passo a análise do dispositivo antes da última reforma legislativa específica (ou seja, antes de 19/06/08). O art. 277, § 2º, com a redação da Lei n. 11.275/06, apresentava o seguinte conteúdo: “no caso de recusa do condutor à realização dos testes, exames e da perícia previstos no caput deste artigo, a infração poderá ser caracterizada mediante a obtenção de outras provas em direito admitidas pelo agente de trânsito acerca dos notórios sinais de embriaguez, excitação ou torpor resultantes do consumo de álcool apresentados pelo condutor”. Atente que o teor deste artigo é que balizou a fundamentação do RHC n. 20.190/MS da lavra do Min. Gilson Dipp, EMPRESTADO pela Subprocuradora-Geral já nominada, e que teve parecer acatado – pois IRREPREENSÍVEL (!) – no RHC n. 26.432/MT relatado pelo Min. Napoleão Nunes Maia Filho, servindo, inclusive, como modelo perante os citados Tribunais Sulistas.

Quais Tribunais Estaduais já se valeram desse PRECEDENTE?

TJRS, 2º C. Crim., Apelação criminal n. 700.316.657-97, rel. Desª. Marlene Landvoigt, j. 29/06/2010, DJ 28/07/2010; TJPR, 1ª C. Crim., Habeas corpus n. 683.038-2, de Cambé, Rel. Juiz conv. Luiz Osório Panza, j. 08/07/2010; TJSC, 2ª C. Crim., Apelação criminal n. 2009.007530-3, de Seara, rel. Des. Irineu João da Silva, j. 19/05/2010. E é muito provável que tenham outros, bastaria apenas procurar um pouco mais, mas fiquei nas Instâncias Sulistas.

AGORA, depois da promulgação da Lei n. 11.705/08 a redação do art. 277, § 2º se refere de forma expressa somente à infração administrativa de embriaguez ao volante: “a infração prevista no art. 165 deste Código poderá ser caracterizada pelo agente de trânsito mediante a obtenção de outras provas em direito admitidas, acerca dos notórios sinais de embriaguez, excitação ou torpor apresentados pelo condutor”. Com a referência taxativa ao art. 165 da Lei n. 9.503/97 o legislador impediu a comprovação da embriaguez para fins de comprovação do delito do art. 306 do Código de Trânsito por qualquer outra prova em direito admitida. Isso, ao menos, com base nesse preceito. Não é mais possível valer-se de interpretação extensível nos moldes da antiga redação.

Com isso posso alcançar a conclusão final: não é mais possível suprir a omissão do condutor que se negar a realizar o teste pericial – que deve ser lido com exame de sangue, apenas – com base no art. 277, § 2º da Lei n. 9.503/97 depois da promulgação da Lei n. 11.705/08, porque esta regra não tem cabimento para a infração criminosa de embriaguez ao volante (art. 306). Portanto: se possível valer-se da prova testemunhal, outro fundamento legal deverá balizar a sua incidência.

Que na futura uniformização de jurisprudência, Recurso Especial n. 1.111.566/DF, o Ministro Napoleão Nunes Maia Filho certifique-se, acaso venha a adotar algum parecer como razão de decidir, se realmente ele não seria descartável ao invés de irrepreensível, pois as consequencias de sua decisão já acarretaram inúmeros constrangimentos, infelizmente não observados, seja pelos outros ministros, seja por desembargadores estaduais ou, ainda, seja pelos defensores de cidadãos que tiverem desrespeitado suas garantias constitucionais.

Em breve, a segunda dose...

Nenhum comentário:

Postar um comentário