sábado, 31 de março de 2012

Crime de peculato

Um escrivão da Polícia Civil (H.X.O.) foi condenado à pena de 2 anos e 3 meses de reclusão, a ser cumprida inicialmente em regime aberto, e ao pagamento de 17 dias-multa, pela prática do crime de peculato, previsto no art. 312, caput, do Código Penal. A pena de reclusão, todavia, foi substituída por duas penas restritivas de direitos, quais sejam, a prestação gratuita de serviços à comunidade, nos termos do § 3.º do art. 46 do Código Penal, e uma prestação pecuniária equivalente a um salário-mínimo. 

Registram os autos que o mencionado escrivão apropriou-se de uma pistola, marca Taurus, apreendida durante um inquérito policial, deixando de registrá-la no livro de registro de apreensões da unidade policial em que exercia suas funções, e passou a utilizá-la como se proprietário dela fosse. Essa decisão da 2.ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Paraná, por unanimidade de votos, reformou parcialmente a sentença do Juízo da Vara Criminal de Pato Branco que julgou procedente a pretensão punitiva descrita na denúncia formulada pelo Ministério Público. Os julgadores de 2.º grau readequaram a pena aplicada ao réu e afastaram a parte da decisão que lhe decretou a perda do cargo. 

Inconformado com a decisão de 1.º grau, o réu interpôs recurso de apelação para pedir sua absolvição sob o argumento de que não se configurou o crime de peculato doloso. Sustentou que teria ocorrido apenas peculato de uso, o que ensejaria um ilícito administrativo, não criminal. Pediu, alternativamente, que a pena fosse reduzida de 5 para 2 anos de reclusão. O relator do recurso de apelação, juiz substituto em 2.º grau Wellington E. Coimbra Moura, assinalou em seu voto: [...] não se pode falar em absolvição por peculato de uso, que exige que se tenha apenas a intenção de uso e não de posse definitiva. Situação não caracterizada no caso em apreço. Extrai-se dos autos que não foi isolado o ato de pegar a arma de fogo para fazer uma mudança e depois devolvê-la no lugar. O apelante, além de não a registrar no livro de apreensões, quando cobrado do envio desta ao Fórum junto com os autos de inquérito, se manteve silente, ficando clara sua intenção de apossamento definitivo da coisa - o animus domini. O bem tutelado no crime de peculato é a moralidade administrativa e, como se vê, tal foi atingida pela conduta do apelante, na medida em que apropriou-se de bem móvel, o qual tinha a posse em razão de seu cargo, em proveito próprio - transformando posse em propriedade. Também não pode prosperar a tese de desclassificação de peculato doloso para culposo, previsto do parágrafo 2º do artigo 312 do Código Penal. Ocorre tal tipo penal quando o agente público concorre por sua própria culpa (negligência, imprudência e imperícia), para que outrem se aproprie, desvie ou subtraia dinheiro, bem ou valor pertencente à Administração Pública. O apelante confessou que ele próprio pegou de seu cartório a pistola apreendida nos autos de inquérito para fazer uma mudança e posteriormente, esta foi furtada de dentro de seu veículo. 

Fonte: Tribunal de Justiça do Paraná

Direito penal de trânsito

Em julgamento apertado, desempatado pelo voto de minerva da ministra Maria Thereza de Assis Moura, presidenta da Terceira Seção, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) definiu que apenas o teste do bafômetro ou o exame de sangue podem atestar o grau de embriaguez do motorista para desencadear uma ação penal. A tese serve como orientação para as demais instâncias do Judiciário, onde processos que tratam do mesmo tema estavam suspensos desde novembro de 2010. 

 De acordo com a maioria dos ministros, a Lei Seca trouxe critério objetivo para a caracterização do crime de embriaguez, tipificado pelo artigo 306 do Código de Trânsito Brasileiro (CTB). É necessária a comprovação de que o motorista esteja dirigindo sob influência de pelo menos seis decigramas de álcool por litro de sangue. Esse valor pode ser atestado somente pelo exame de sangue ou pelo teste do bafômetro, segundo definição do Decreto 6.488/08, que disciplinou a margem de tolerância de álcool no sangue e a equivalência entre os dois testes. “Se o tipo penal é fechado e exige determinada quantidade de álcool no sangue, a menos que mude a lei, o juiz não pode firmar sua convicção infringindo o que diz a lei”, afirmou a ministra Maria Thereza ao definir a tese. 

O julgamento teve início em 8 de fevereiro e foi interrompido por três pedidos de vista. Dos nove integrantes da Terceira Seção, cinco ministros votaram seguindo o ponto de vista divergente (contrário ao do relator) e vencedor. O desembargador convocado Adilson Macabu foi o primeiro a se manifestar nesse sentido e, por isso, lavrará o acórdão. Também acompanharam o entendimento, além da presidenta da Seção, os ministros Laurita Vaz, Og Fernandes e Sebastião Reis Júnior. 

Estrita legalidade

Ao expor sua posição na sessão do dia 29 de fevereiro, o desembargador Macabu ressaltou a constitucionalidade da recusa do condutor a se submeter ao teste de alcoolemia (tanto o bafômetro quanto o exame de sangue), diante do princípio da não autoincriminação, segundo o qual ninguém está obrigado a produzir prova contra si mesmo. Dada a objetividade do tipo penal (artigo 306 do CTB), o magistrado considerou inadmissível a possibilidade de utilização de outros meios de prova ante a recusa do motorista em colaborar com a realização de exame de sangue ou bafômetro. Ele destacou que o limite de seis decigramas por litro de sangue é um elemento objetivo do tipo penal que não pode ser relativizado. “A lei não contém palavras inúteis e, em nome de adequá-la a outros fins, não se pode ferir os direitos do cidadão, transformando-o em réu por conduta não prevista em lei. Juiz julga, e não legisla. Não se pode inovar no alcance de aplicação de uma norma penal. Essa não é a função do Judiciário”, afirmou. 

Qualidade das leis

O desembargador acredita que, na prática, há uma queda significativa na qualidade das leis. Mas isso não dá ao juiz o poder de legislar. “O trânsito sempre matou, mata e matará, mas cabe ao Legislativo estabelecer as regras para punir, e não ao Judiciário ampliar as normas jurídicas”, advertiu o desembargador. “Não se pode fragilizar o escudo protetor do indivíduo em face do poder punitivo do estado. Se a norma é deficiente, a culpa não é do Judiciário”, defendeu. O ministro Og Fernandes também lamentou que a alteração trazida pela Lei Seca tenha passado a exigir quantidade mínima de álcool no sangue, atestável apenas por dois tipos de exames, tornando a regra mais benéfica ao motorista infrator. “É extremamente tormentoso para o juiz deparar-se com essa falha”, declarou. Mas ele conclui: “Matéria penal se rege pela tipicidade, e o juiz deve se sujeitar à lei.” A ministra Maria Thereza de Assis Moura, da mesma forma, lembrou que alterações na lei só podem ser feitas pelo legislador.

Caso concreto

No recurso interposto no STJ, o Ministério Público do Distrito Federal (MPDF) se opõe a uma decisão do Tribunal de Justiça local (TJDF), que acabou beneficiando um motorista que não se submeteu ao teste do bafômetro, porque à época o exame não foi oferecido por policiais. O motorista se envolveu em acidente de trânsito em março de 2008, quando a Lei Seca ainda não estava em vigor, e à época foi encaminhado ao Instituto Médico Legal, onde um teste clínico atestou o estado de embriaguez. Denunciado pelo MP com base no artigo 306 do CTB, o motorista conseguiu o trancamento da ação penal, por meio de um habeas corpus, sob a alegação de que não ficou comprovada a concentração de álcool exigida pela nova redação da norma trazida pela Lei Seca. O tribunal local entendeu que a lei nova seria mais benéfica para o réu, por impor critério mais rígido para a verificação da embriaguez, devendo por isso ser aplicada a fatos anteriores à sua vigência. A decisão da Terceira Seção negou provimento ao recurso do MPDF. 

 Processo relacionado: REsp 1111566

Fonte: Superior Tribunal de Justiça

Direito penal de trânsito

Diante da recente decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) de não admitir provas distintas do bafômetro ou do exame de sangue para condenar motorista que dirige embriagado, o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, defendeu mudanças urgentes na Lei Seca. “Queremos coibir com muito vigor o ato de irresponsabilidade de beber e dirigir e, se queremos uma sanção penal, precisamos mudar a lei”. O ministro explica que a intenção do governo federal é fazer alterações, sem mudar o espírito da lei. “O objetivo é permitir que uma pessoa em visível estado de embriaguez possa ser condenada também por outros meios de provas admitidos em direito, como testemunha, vídeo, entre outros”. Para a alteração legislativa, o governo federal tem dialogado com o Congresso Nacional desde o fim do ano passado. A ideia, disse o ministro, é trabalhar em projetos de lei já em curso para que as mudanças possam ser aprovadas o mais rápido possível. 

Fonte: Ministério da Justiça

quinta-feira, 29 de março de 2012

Direito penal desportivo

A Procuradoria-Geral de Justiça designou, ontem (26), os promotores de Justiça Sérgio de Assis e Manoel Torralbo Gimenez Junior, do II Tribunal do Júri, para acompanharem o inquérito policial que apura a morte de André Alves Lezo, de 21 anos, ocorrido nesse domingo (25), após confronto entre torcedores do Palmeiras e do Corinthians na Avenida Inajar de Souza, na zona norte da Capital. O confronto aconteceu antes do jogo entre as duas equipes, pelo Campeonato Paulista, no estádio do Pacaembu, e deixou ainda seis outros torcedores feridos.

Fonte: Ministério Público de São Paulo

Direito penal desportivo

O integrante da Torcida Força Jovem do Goiás, Thiago Dias Lopes, vai a júri pelo assassinado de Carlos Abrenhosa de Faria. A decisão é do juiz Jesseir Coelho de Alcântara, da 1ª Vara Criminal de Goiânia, que o pronunciou por homicídio qualificado por motivo fútil. Segundo os autos, no dia 27 de abril de 2011, Thiago e outros dois indivíduos não identificados entraram na casa de Carlos, no Residencial São Leopoldo, em Goiânia, e o mataram com vários tiros. Thiago andava armado por temor às ameaças sofridas de torcedores vilanovenses.

Fonte: Tribunal de Justiça de Goiás

Violação de direitos autorais

Por maioria de votos, os membros da 2ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado de Rondônia absolveram Diego Davi Delgado do crime de violação de direito autoral. Ele havia sido condenado à pena de três meses de detenção a ser cumprida em regime aberto. Inconformado com a sentença, recorreu ao TJRO, por meio de uma apelação. O recurso foi negado pelo relator, desembargador Cássio Rodolfo Sbarzi Guedes, porém a desembargadora Marialva Henriques Daldegan Bueno e o juiz convocado Francisco Borges Ferreira Neto julgaram de forma contrária ao relator.

Segundo consta nos autos, no dia 19 de novembro de 2011, na comarca de Rolim de Moura (RO), foi apreendido em posse de Diego Davi a quantidade de 20 CDs e 42 DVDs. De acordo com a denúncia, o acusado adquiriu e ocultou o material, sem a autorização dos produtores ou seus representantes, com objetivo de lucrar com as cópias. Pela prática tipificada no artigo 184, §2º, do Código Penal foi condenado pelo Juízo da 1ª Vara Criminal de Rolim de Moura.

Na apelação feita ao TJRO, a defesa pediu a absolvição, alegando ausência de prova da autoria do crime, materialidade e a atipicidade da conduta. O Ministério Público, por meio do procurador de justiça Charles José Grabner, manifestou-se pela manutenção da condenação. Para o relator, desembargador Cássio Sbarzi, a materialidade ficou comprovada por meio do auto de prisão em flagrante, certidão de ocorrência policial e pelo auto de apresentação e apreensão dos produtos. Houve dolo, pois existia vontade de violar o direito autoral com o objetivo de lucro. É importante ressaltar também que o crime em questão se consuma com a ocultação, ainda que o sujeito não obtenha proveito econômico, bastando a vontade de violar o direito autoral com intuito de lucro. Sbarzi Guedes disse ainda, em seu voto, que na fase policial o acusado confessou o crime ao afirmar que tentou vender os CDs e os DVDs pirateados, depoimento este que foi confirmado pelos policiais responsáveis pela prisão e apreensão do material.

Divergência

A desembargadora Marialva Henriques Daldegan Bueno divergiu do relator, por entender que não ficou comprovada a materialidade do delito. Segundo ela, não houve realização de perícia de constatação do material apreendido. Trata-se de crime material que deixa vestígio, não podendo a confissão suprir a falta do laudo pericial. Admite-se, porém, suprimento do exame do corpo de delito pela prova testemunhal quando os vestígios tiverem desaparecidos o que não parece ser o caso, explicou. Em seu voto, a desembargadora ressaltou que a autoridade policial determinou a realização de exame de constatação. O respectivo ofício foi encaminhado, porém a perícia não foi feita, tampouco houve nos autos justificativa para tal omissão probatória. Segundo Marialva, o artigo 525 do CPP traz em seu dispositivo que, no caso em que o crime deixar vestígio, a queixa ou a denúncia não será recebida se não for instruída com o exame pericial dos objetos que constituam o corpo de delito, por isso absolveu o réu, devido à inexistência de provas suficientes para condenação. O juiz convocado Francisco Borges Ferreira Neto acompanhou o voto da desembargadora, resultando na absolvição do acusado por dois votos a um.

Fonte: Tribunal de Justiça de Rondônia

Princípio da insignificância e camisetas

A Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) negou habeas corpus a acusado de furtar de um varal quatro peças de roupa no valor aproximado de R$ 190. A denúncia foi rejeitada em primeiro grau pelo princípio da insignificância. O Ministério Público recorreu da decisão e o tribunal estadual aceitou a acusação. O homem teria furtado quatro camisetas de marcas famosas de um varal em pátio interno de um edifício. Um vizinho da vítima percebeu a ação e deteve o homem. As roupas foram devolvidas ao dono. No STJ, o acusado buscou restabelecer a decisão de primeiro grau e se livrar da denúncia. A defesa alegou que, se o comportamento do homem não feriu o patrimônio da vítima, não é possível dizer que a conduta foi antijurídica ou culpável. Ela pedia a aplicação do princípio da insignificância. Apesar da recuperação dos bens, o ministro Og Fernandes, relator do caso, avaliou a ação do acusado como ofensiva e reprovável, e negou a ordem. Para o relator, não há como considerar que o valor da coisa subtraída seja bagatela. Na época dos fatos, o valor dos bens correspondia a 37% do salário mínimo.

Processo relacionado: HC 193260

Fonte: Superior Tribunal de Justiça

Presunção de violência e estupro

Para a Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ), a presunção de violência no crime de estupro tem caráter relativo e pode ser afastada diante da realidade concreta. A decisão diz respeito ao artigo 224 do Código Penal (CP), revogado em 2009.

Segundo a relatora, ministra Maria Thereza de Assis Moura, não se pode considerar crime o ato que não viola o bem jurídico tutelado – no caso, a liberdade sexual. Isso porque as menores a que se referia o processo julgado se prostituíam havia tempos quando do suposto crime.

Dizia o dispositivo vigente à época dos fatos que “presume-se a violência se a vítima não é maior de catorze anos”. No caso analisado, o réu era acusado de ter praticado estupro contra três menores, todas de 12 anos. Mas tanto o magistrado quanto o tribunal local o inocentaram, porque as garotas “já se dedicavam à prática de atividades sexuais desde longa data”.

Segundo o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), a própria mãe de uma das supostas vítimas afirmara em juízo que a filha “enforcava” aulas e ficava na praça com as demais para fazer programas com homens em troca de dinheiro. “A prova trazida aos autos demonstra, fartamente, que as vítimas, à época dos fatos, lamentavelmente, já estavam longe de serem inocentes, ingênuas, inconscientes e desinformadas a respeito do sexo. Embora imoral e reprovável a conduta praticada pelo réu, não restaram configurados os tipos penais pelos quais foi denunciado, afirmou o acórdão do TJSP, que manteve a sentença absolutória.

Divergência

A Quinta Turma do STJ, porém, reverteu o entendimento local, decidindo pelo caráter absoluto da presunção de violência no estupro praticado contra menor de 14 anos. A decisão levou a defesa a apresentar embargos de divergência à Terceira Seção, que alterou a jurisprudência anterior do Tribunal para reconhecer a relatividade da presunção de violência na hipótese dos autos.

Segundo a ministra Maria Thereza, a Quinta Turma entendia que a presunção era absoluta, ao passo que a Sexta considerava ser relativa. Diante da alteração significativa de composição da Seção, era necessário rever a jurisprudência. Por maioria, vencidos os ministros Gilson Dipp, Laurita Vaz e Sebastião Reis Júnior, a Seção entendeu por fixar a relatividade da presunção de violência prevista na redação anterior do CP.

Relatividade

Para a relatora, apesar de buscar a proteção do ente mais desfavorecido, o magistrado não pode ignorar situações nas quais o caso concreto não se insere no tipo penal. “Não me parece juridicamente defensável continuar preconizando a ideia da presunção absoluta em fatos como os tais se a própria natureza das coisas afasta o injusto da conduta do acusado”, afirmou.  “O direito não é estático, devendo, portanto, se amoldar às mudanças sociais, ponderando-as, inclusive e principalmente, no caso em debate, pois a educação sexual dos jovens certamente não é igual, haja vista as diferenças sociais e culturais encontradas em um país de dimensões continentais”, completou. “Com efeito, não se pode considerar crime fato que não tenha violado, verdadeiramente, o bem jurídico tutelado – a liberdade sexual –, haja vista constar dos autos que as menores já se prostituíam havia algum tempo”, concluiu a relatora.

O número deste processo não é divulgado em razão de sigilo judicial.

Fonte: Superior Tribunal de Justiça

terça-feira, 27 de março de 2012

Representação e estrupro

Nos crimes de estupro praticados com emprego de violência real, a ação penal é pública incondicionada, não sendo possível alegar decadência do direito de representação, nem ilegitimidade do Ministério Público para a propositura da ação.

Com base nesse entendimento, a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) negou habeas corpus que pretendia trancar ação penal por estupro contra um acusado que já responde por dois homicídios – todos os crimes praticados no mesmo dia.

Os fatos ocorreram em 24 de abril de 2006. Segundo apurado, após discutir com a companheira no local onde moravam, o acusado a esfaqueou, produzindo os ferimentos que viriam a causar sua morte. Em seguida, invadiu o cômodo dos vizinhos com a companheira ensanguentada e desfalecida nos ombros. Largou-a junto à porta e passou a agredir o vizinho, que morreu por causa das facadas. A vizinha tentou fugir do agressor, mas foi ameaçada com a faca e constrangida à prática de sexo.

A denúncia foi recebida em março de 2007 e o réu foi pronunciado na ação penal em curso na Vara do Tribunal do Júri de São Bernardo do Campo (SP), acusado da prática de crimes de homicídio (duas vezes) e estupro.

A defesa recorreu, sustentando, entre outras coisas, a ilegitimidade ativa do Ministério Público para processar o acusado pelo crime de estupro, ante a decadência do direito de representação da vítima. O recurso foi rejeitado.

No habeas corpus dirigido ao STJ, a defesa apresentou a mesma alegação, de que a manifestação da vítima – quanto à intenção de processar o acusado por estupro – e a respectiva declaração de hipossuficiência seriam intempestivas, pois foram juntadas aos autos apenas em 19 de fevereiro de 2009, quase três anos após o crime. Ainda segundo a defesa, o processo transcorreu sem que o Ministério Público fosse legitimado para a ação, pois o termo de representação e a declaração de pobreza da vítima só foram colhidos por ocasião do encerramento da instrução criminal, quando o próprio órgão acusatório percebeu a omissão processual. Requereu, então, o trancamento parcial da ação penal, no que se referia ao crime de estupro, em razão da decadência do direito de representação da vítima. No seu parecer, o Ministério Público Federal opinou pela rejeição do pedido.

Jurisprudência

Em decisão unânime, a Sexta Turma negou o pedido para trancar a ação penal. O relator do caso, ministro Sebastião Reis Júnior, lembrou que o crime ocorreu em 2006 e a denúncia foi recebida em 2007, antes, portanto, da promulgação da Lei 12.015/09, que alterou o Código Penal da parte relativa aos crimes sexuais. “As condições da ação devem ser analisadas à luz da legislação anterior”, disse ele, acrescentando que, em tal contexto, não se pode falar em decadência do direito de representação da vítima. Na legislação anterior, o processo penal por estupro competia à própria vítima, mas o Ministério Público podia assumir a ação se ela não tivesse meios de arcar com as despesas – caso em que se exigia representação da vítima pedindo essa providência.

A Lei 12.015 estabeleceu que a ação penal é pública, a cargo do MP, mas ainda condicionada à representação da vítima. No entanto, segundo o ministro Sebastião Reis Júnior, a jurisprudência do STJ e do Supremo Tribunal Federal (STF) adotou o entendimento de que, nas situações de estupro cometido com emprego de violência real, a ação penal é pública incondicionada – ou seja, o Ministério Público deve agir independentemente de representação da vítima. “Se há indícios de emprego de violência e grave ameaça contra a ofendida, inclusive com o uso de faca, é desnecessário discutir se o termo de representação e a declaração de hipossuficiência são extemporâneos”, assinalou o relator.

Ele observou ainda que não há forma rígida para a representação – quando necessária –, bastando a manifestação inequívoca da vítima no sentido de que o autor do crime seja processado. Para o ministro, a providência de colher a aquiescência da vítima – tomada ao término da instrução criminal – deu-se por mera cautela do Ministério Público. “Mesmo que se entendesse imprescindível a representação, a intenção da ofendida para a apuração da responsabilidade já foi demonstrada, pois as suas atitudes após o evento delituoso, como o comparecimento à delegacia e a realização de exame pericial, servem para validar o firme interesse na propositura da ação penal”, disse ele.

O número deste processo não é divulgado em razão de sigilo judicial.

Fonte: Superior Tribunal de Justiça

Concurso formal

A Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), considerando a impossibilidade de reexaminar provas em recurso especial, manteve a decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) que entendeu pela ocorrência de concurso formal no caso do jovem condenado por disparar uma metralhadora contra plateia de cinema.

A Turma não conheceu do recurso do Ministério Público e concedeu habeas corpus de ofício para admitir a progressão de regime, mantendo a pena em 48 anos de reclusão, inicialmente em regime fechado.

Em 1999, o rapaz entrou na sala de cinema de um shopping de São Paulo após consumir cocaína e atirou contra 66 espectadores com uma submetralhadora 9mm. Três pessoas morreram e quatro ficaram feridas. Ele foi condenado em primeiro grau a 110 anos de reclusão, em regime integralmente fechado.

Nessa instância, aplicou-se a regra do concurso material, em que há mais de uma ação e as penas são aplicadas cumulativamente. Isso porque, para o julgador, o acionamento da metralhadora não foi contínuo, mas pausado.

Concurso formal

A defesa recorreu e pediu o reconhecimento de concurso formal: o condenado teria praticado os diversos crimes durante uma só ação. O TJSP acolheu o argumento da apelação e reduziu a pena para 48 anos de prisão, em regime integralmente fechado. A corte julgou que foi praticada uma única ação: o rapaz, sob efeito de cocaína, “adentrou a sala de projeção, ali passando a efetuar disparos em direção aos espectadores, até ser contido e desarmado”. Os “poucos segundos” de intervalo entre os disparos não marcariam o começo de um novo atentado. A configuração da metralhadora para o modo intermitente também não justificaria a conclusão anterior. O tribunal levou em conta que assentos vazios também foram acertados pelo atirador, o que indicaria a aleatoriedade dos disparos em sequência.

Recurso especial

Inconformado, o Ministério Público recorreu ao STJ. O órgão alegava que o preso deveria ser sentenciado pela regra do concurso material. Para o MP, ele não acionou a metralhadora de forma continuada, mas efetuou os disparos pausadamente. Assim, estaria caracterizado o concurso material, em que há atentados diversos. A ministra Laurita Vaz, relatora do recurso especial do MP, avaliou que a decisão do tribunal estadual estava devidamente fundamentada. A relatora entendeu que reconhecer o concurso material implicaria reexame de provas, vedado pela Súmula 7 do STJ. A Quinta Turma, de forma unânime, não conheceu do recurso especial. A Turma também afastou, de ofício, o regime integralmente fechado aplicado contra o réu. A impossibilidade de progressão prevista originalmente na Lei dos Crimes Hediondos já havia sido afastada pelo Supremo Tribunal Federal e, além disso, lei posterior afastou de vez o regime integral do ordenamento jurídico nacional. A condenação foi mantida em 48 anos de prisão, com regime inicialmente, e não integralmente, fechado.

Processo relacionado: REsp 1077385

Fonte: Superior Tribunal de Justiça

sábado, 24 de março de 2012

Direito penal eleitoral

Por decisão unânime, os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) negaram recurso a Márcio José de Melo Chierici contra acórdão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que denegou habeas corpus proposto com o objetivo de trancar ação penal. Márcio Chierici foi denunciado pelos crimes de corrupção eleitoral (artigo 299, do Código Eleitoral) e quadrilha (artigo 288, do Código Penal), sob a acusação de que teria distribuído materiais de construção a eleitores do município de Apiacá (ES) com o objetivo de obter votos nas eleições de 2008. A questão foi apreciada pelo Plenário do STF durante a análise do Recurso Ordinário em Habeas Corpus (RHC) 104261.

A denúncia foi recebida pelo Tribunal Regional Eleitoral do Espírito Santo (TRE-ES) e mantida pelo TSE, decisão questionada no presente recurso. Segundo a Procuradoria-Geral da República, o material de construção, supostamente distribuído por Márcio Chierici, consistia em lajotas, telhas, canos, tijolos e outros para que conseguisse sua reeleição como prefeito daquela cidade em 2008, sendo vencedor do pleito daquele ano. Outros candidatos, conforme o procurador-geral Roberto Gurgel, também teriam agido de forma associativa, por laços de amizade, de política ou por terem auxiliado na distribuição dos itens durante a campanha. “Não se pode dizer que a denúncia omitiu-se na descrição dos fatos. Quem lê a denúncia sabe exatamente do que o recorrente está sendo acusado”, disse o PGR. Quanto ao crime de quadrilha, ele afirmou que a denúncia identificou as pessoas que teriam se associado ao recorrente para o cometimento de crimes, individualizando a conduta de cada um. De acordo com ele, a denúncia descreveu que, sob o comando do acusado, os demais envolvidos, de comum acordo, praticaram diversas fraudes com o objetivo específico de obter a sua eleição. Sobre a acusação de nulidade do processo por desrespeito ao contraditório e a ampla defesa tendo em vista a alegada inversão da manifestação do MP e da defesa, o procurador-geral ressaltou que apesar de o Ministério Público ter se manifestado após a sustentação oral da defesa, “não trouxe fato novo, apenas refutou a tese da defesa”. “A pretensão do recorrente de obter o trancamento da ação penal antes que o Ministério Público possa provar a imputação deduzida na denúncia representa, na verdade, absolvição sumária não admitida na jurisprudência desta Suprema Corte”, afirmou Roberto Gurgel. O parecer da PGR foi pelo desprovimento do recurso.

Alegações da defesa

Os advogados sustentavam que a denúncia seria inepta em relação ao crime de quadrilha por não descrever concretamente qualquer ato delituoso praticado pelo acusado. Quanto ao crime de corrupção eleitoral, alegavam a atipicidade deste delito, uma vez que a denúncia não teria demonstrado que a doação de 200 lajotas tivesse por objetivo a obtenção de votos. Também argumentavam que teria havido nulidade processual tendo em vista que durante sessão em que o TRE-ES recebeu a denúncia, a acusação se manifestou após a sustentação oral da defesa.

Desprovimento

O relator, ministro Dias Toffoli, negou provimento ao recurso. Em relação à alegação de nulidade processual, ele disse que não verificou qualquer ofensa ao direito de defesa do acusado, além de não ter observado qualquer registro de manifestação da defesa para que fosse garantida a tréplica. Quanto ao crime de quadrilha, o ministro Dias Toffoli salientou que “a descrição empreendida é perfeitamente típica, de modo a ensejar o recebimento da acusação para depois analisá-la quanto a seu mérito”. No que diz respeito ao crime de corrupção eleitoral e a atipicidade, o relator ressaltou que “embora a inicial não prime pela melhor imputação decorrente dessa atuação, reúne condições mínimas de admissibilidade”. “Realmente não está a conduta precisamente delimitada no tempo, ou seja, qual momento em que ela ocorre. Dela, contudo, pode se inferir que os atos se deram no curso do processo eleitoral antecedente ao pleito de 2008”, avaliou, ressaltando que nos autos também há alusão da prática de atos análogos pelos corréus, “o que é suficiente, a meu ver, para o balizamento temporal da denúncia”.

Fonte: Supremo Tribunal Federal

Princípio da insignificância - butijão de gás

A Vara Judicial de Quatá, a 498 quilômetros de São Paulo, condenou L.F.M. a quatro meses de reclusão, em regime aberto, e a pagar três dias-multa pela prática de furto. A pena privativa de liberdade foi convertida em restritiva de direitos, consistente no pagamento de dez dias-multa. De acordo com a denúncia, no dia 16 de setembro de 2010, na Rua Maria Affini, Jardim Tropical, em Quatá, o acusado subtraiu para si um botijão de gás vazio, avaliado em R$ 80,00, pertencente a C.A.M. Na sentença condenatória, a juíza Maria Sílvia Gabrielloni Feichtenberger discorreu sobre a não aplicação do princípio da insignificância ao caso em questão: “a aplicação deve ser criteriosa, sob pena de se premiar com a impunidade aqueles que incorreram em condutas que provoquem insegurança no meio social e que, de forma expressa, foram incriminadas pela lei penal, devendo, portanto, ser restrita, sob pena de se estimular a reiteração de pequenos delitos”. “Tal instituto, dada a sua excepcionalidade e falta de previsão legal, deve ser reservado a subtrações que pouca ou nenhuma relevância jurídica possuem como o furto de uma ou algumas frutas, de um ou alguns doces, de trocados e outras coisas de reduzidíssimo valor econômico, situação que não se verifica nestes autos”, afirmou a magistrada.

Fonte: Tribunal de Justiça de São Paulo

Desvio de verbas

A Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) negou habeas corpus a Manoel Ramalho de Alencar, ex-prefeito da cidade de Ibiara (PB), condenado a nove anos de reclusão por desviar verba pública em benefício próprio.

O relator, ministro Og Fernandes, apontou que as razões apresentadas no habeas corpus são simples reprodução dos argumentos já apreciados no Tribunal de Justiça da Paraíba (TJPB), e que foram rebatidos, um a um. O ministro constatou que, para as instâncias ordinárias, não há compatibilidade entre o alegado pela defesa e a realidade que se apresentou no decorrer da instrução, sendo inviável o revolvimento do referido conjunto probatório, em sede de habeas corpus. Ressaltou também não ser o caso de aplicar o princípio do in dubio pro reo, observando que os magistrados tiveram segurança ao decidir quanto à comprovação dos atos denunciados, apenas colocando em dúvida as alegações da defesa. A alegada falta de justa causa para o prosseguimento da ação penal, em relação ao crime de fraude no pagamento, foi afastada por aplicação da Súmula 554 do Supremo Tribunal Federal, uma vez que a comprovação do pagamento do débito por parte da Prefeitura de Ibiara somente ocorreu após o oferecimento da denúncia, não sendo capaz de afastar a configuração do delito.

De acordo com a denúncia, na véspera de ser afastado do cargo, o então prefeito teria desviado, em proveito próprio, pouco mais de R$ 32 mil, para pagar serviço particular de um advogado. Ele também foi denunciado porque teria sacado, na boca do caixa, R$ 6.849 com cheque oriundo de conta destinada à movimentação de recursos do Fundef (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério) e R$ 7.783 com cheque nominal à tesouraria da Prefeitura. O prefeito ainda emitiu cheque da Prefeitura ciente de que não contava com fundo. O ex-prefeito alegava que o dinheiro repassado ao advogado referia-se a serviços prestados ao município e que os valores sacados serviram para pagamento de servidores. Quanto ao cheque, disse que tinha fundos e que foi sustado pela prefeita que o sucedeu. O tribunal entendeu que não há prova de que o cheque realmente tenha sido sustado e que há um contrato do advogado com o município que abrangeu a assistência ao prefeito em ação criminal que respondeu na Justiça estadual. Quanto às importâncias sacadas na boca do caixa, não foi comprovado que o dinheiro sacado teve realmente como destino o pagamento dos servidores municipais.

Inicialmente, o relator original do caso no STJ, desembargador convocado Haroldo Rodrigues, negou seguimento ao pedido, por considerar que as alegações do ex-prefeito exigiriam análise profunda das provas reunidas do processo, o que não é possível em exame de habeas corpus. A defesa do ex-prefeito recorreu da decisão para a Sexta Turma, onde o ministro Og Fernandes assumiu a relatoria após Haroldo Rodrigues ter deixado o STJ. No julgamento do recurso, a Turma manteve a decisão original.

Processo relacionado: HC 57090

Fonte: Superior Tribunal de Justiça

Direito penal eleitoral

O Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) negou provimento ao Agravo Regimental na Ação Penal (AP) 512, na qual o deputado federal Roberto Britto (PP/BA) responde por compra de votos nas eleições para prefeito de Jequié (BA), nas eleições municipais de 2000. O recurso foi interposto contra decisão do relator da AP, ministro Ayres Britto, que determinou a retomada da ação penal.

Em maio de 2004, o Ministério Público Eleitoral da Bahia denunciou Roberto Britto, junto com mais três pessoas, por captação ilícita de votos para supostamente favorecer sua candidatura a prefeito, por meio da doação de terrenos públicos para a população de baixa renda durante a campanha eleitoral. Em agosto de 2005, o Tribunal Regional Eleitoral da Bahia (TRE-BA) recebeu a denúncia e suspendeu condicionalmente o processo por dois anos, com a condição de que os acusados comparecessem e informassem mensalmente ao juízo eleitoral suas atividades. Segundo informações do TRE-BA, Roberto Britto não cumpriu essa condição em vários meses de 2006 e 2007, limitando-se a comunicar os deslocamentos para diversos municípios. A eleição para deputado federal, conforme a defesa, inviabilizou seu comparecimento ao cartório eleitoral de Jequié às sextas-feiras, para a assinatura do termo de comparecimento, e seus pedidos de autorização para se ausentar não foram analisados pelo juiz eleitoral. Os autos foram enviados, em julho de 2008, ao STF.

O Ministério Público Federal, com base no descumprimento das condições para a suspensão do processo, pediu a retomada da ação penal, deferida, monocraticamente, pelo ministro Ayres Britto. A defesa interpôs então o agravo regimental, analisado na sessão plenária de 15 de março, arguindo a nulidade do inquérito que resultou na denúncia, bem como da própria denúncia, além da reconsideração da decisão que determinou a retomada do processo, inclusive sob a alegação de ofensa ao contraditório. Sustentou que não houve descumprimento das condições para a suspensão do processo, pois o deputado justificou todas as ausências, e que tais justificativas deveriam ser avaliadas pelo STF.

O ministro Ayres Britto, em seu voto, considerou que a jurisprudência do STF é firme no sentido de que o benefício da suspensão condicional do processo pode ser revogado mesmo após o período de prova, desde que motivado por fatos ocorridos até o seu término. O ministro lembrou que, desde o início do prazo de suspensão, Roberto Britto não compareceu a juízo em nove meses, e que apenas os cinco últimos ocorreram após sua diplomação, quando o cumprimento estaria sujeito à fiscalização do STF. O relator salientou que as ausências injustificadas se deram antes de sua posse como deputado, em fevereiro de 2007, e considerou justificado somente o não-comparecimento em setembro de 2006, quando o acusado estava em campanha eleitoral. Sobre a alegação de ausência de prévio contraditório para a revogação da suspensão condicional do processo, o relator entendeu que a nulidade não prevalece, pois consta dos autos que, após o pronunciamento do procurador-geral da República, o acusado teve vista efetiva dos autos, atendendo a requerimento por ele apresentado. Assim, o ministro Ayres Britto negou provimento ao recurso e foi acompanhado, por maioria, pelo Plenário, vencido o ministro Marco Aurélio.

Processos relacionados: AP 512

Fonte: Supremo Tribunal Federal

Direito penal eleitoral

Por unanimidade, os ministros do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) decidiram manter uma ação penal contra Denise Nunes da Silva, acusada de falsificar documento público com o objetivo de prejudicar a imagem de Celso Paulo Banazeski, prefeito eleito em Colíder, Mato Grosso, durante as Eleições 2004.

De acordo com a acusação, Denise teria participado na elaboração de um ofício circular com declarações inverídicas sobre o então candidato e a autoria de tal documento teria sido atribuída ao então governador do Estado, Blairo Maggi. Os ofícios teriam sido distribuídos em todo o município por apoiadores do adversário de Celso Paulo nas eleições, Nilson Santos.

O Tribunal Regional Eleitoral do Mato Grosso (TRE-MT) concluiu que havia justa causa para a ação penal, uma vez que o inquérito contém laudo pericial que indica “a falsidade documental, evidenciando a materialidade delitiva, bem como há prova testemunhal, ao menos indiciária, da coautoria da paciente na empreitada criminosa”.

Ela recorreu ao TSE com o objetivo de trancar a ação penal sob o argumento de que a denúncia não descreve de que maneira teria se dado sua participação na suposta falsificação do documento público. Alegou, ainda, ausência de justa causa, “pois o documento é cópia de ofício supostamente falsificado sem a aptidão para macular a fé pública e não correspondente àquele que estava em seu poder”.

Relator

Ao apresentar seu voto na sessão desta terça-feira (21), o ministro Gilson Dipp, relator do caso, afirmou que “a denúncia não é inepta”, pois dispõe os fatos com suas circunstâncias, as qualificações dos acusados, a classificação dos crimes e o rol de testemunhas. Dessa forma, destacou que a denúncia descreve com detalhes a conduta ilícita e, por isso, votou para negar o pedido de trancamento da ação penal. Todos os demais ministros acompanharam o voto do relator.

Processo relacionado: HC 143435

Fonte: Tribunal Superior Eleitoral

Crime de maus tratos

A Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) concedeu habeas corpus em favor de nove irmãos, denunciados pela suposta prática do crime de maus-tratos qualificado contra sua mãe, viúva de 77 anos. Para o relator, ministro Og Fernandes, “é inepta a denúncia quando não há a descrição dos fatos, com todas as suas circunstâncias, em inobservância aos requisitos legais, impossibilitando, dessa forma, o exercício da ampla defesa.”

Em 2004, foi proposta ação de alimentos pela vítima contra seus nove filhos. Na petição, constava que ela necessitava de cuidados especiais, assim como de medicamentos diários, já que era portadora de distúrbio encefálico. A vítima reconheceu, na mesma ação, que dois de seus filhos prestavam-lhe ajuda, conforme suas possibilidades. Entretanto, alegou que a ajuda seria insuficiente diante de tantas despesas. Em audiência de conciliação, realizada em 2005, ficou acordado que seis dos nove filhos pagariam alimentos para a mãe, no valor de 10% do salário mínimo vigente e que os demais pagariam em maior porcentagem, 20%. Os valores seriam depositados em conta aberta para esse fim.

No mesmo ano, o Ministério Público pediu cópia dos autos e opinou pela ocorrência do crime previsto no artigo 99 da Lei 10.741/03 (Estatuto do Idoso), pois havia notícias de que os filhos não estariam cumprindo a obrigação de prestar alimentos à mãe. Depois disso, foram feitos outros pedidos pela representante da vítima, para que fossem tomadas providências, como a abertura de conta e a expedição de alvará para levantamento do valor que havia sido depositado por alguns dos filhos, em juízo e na conta da advogada. Contudo, em 2006, a idosa faleceu. Com o intuito de trancar a ação penal, um dos filhos impetrou habeas corpus, mas o Tribunal de Justiça de Minas Gerais negou o pedido. Daí a nova tentativa, dessa vez no STJ.

Generalidade na acusação

A defesa alegou que a denúncia foi genérica, impedindo o exercício da ampla defesa. Alegou também ausência de justa causa, pois, segundo ela, não havia elemento concreto de prova que pudesse sustentar a acusação. Em seu voto, o relator citou o artigo 99 do Estatuto do Idoso, que trata de crimes contra o idoso: “expor a perigo a integridade e a saúde, física ou psíquica, do idoso, submetendo-o a condições desumanas ou degradantes ou privando-o de alimentos e cuidados indispensáveis, quando obrigado a fazê-lo, ou sujeitando-o a trabalho excessivo ou inadequado.”

O ministro Og Fernandes entendeu que a exposição a perigo, de que trata o artigo, bem como a obrigação de prestar alimentos e cuidados indispensáveis ao idoso, exigem a atuação (comissiva ou omissiva) do sujeito ativo, por meio da submissão do idoso a essas situações. O relator observou que a denúncia foi genérica e que, muito embora a assistência ao idoso seja solidária entre os filhos, isso não significa que a responsabilidade penal também deva ser. “Há que se delinear o nexo causal e participação de cada um para a ocorrência do crime”, disse ele. O relator verificou também que, apesar de alguns dos filhos não terem cumprido o acordo e efetuado corretamente o pagamento, alguns outros o fizeram. Para ele, isso é suficiente para suspeitar da acusação. “Levando-se em consideração que a incoativa é genérica e, portanto, formalmente inepta, concedo a ordem a fim de trancar a ação penal, estando prejudicadas as demais alegações. Estendo os efeitos dessa decisão aos demais corréus”, concluiu Og Fernandes.

Processo relacionado: HC 200260

Fonte: Superior Tribunal de Justiça

Cumprimento de pena

A Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal concedeu hoje (20) ordem determinando que J.E.R., condenado a três anos e seis meses, em regime semiaberto, cumpra a pena em regime menos gravoso devido à falta de vaga em estabelecimento prisional. O ministro Gilmar Mendes, relator do Habeas Corpus (HC) 110892, votou pela concessão do pedido, para que o acusado cumpra a pena em regime mais benéfico até a existência de vaga no regime fixado na sentença. Auxiliar de serviços gerais, J.E.R. foi condenado por homicídio culposo e lesão corporal na direção de veículo automotor (artigos 302 e 303 do Código de Trânsito Brasileiro), em Minas Gerais. A Secretaria de Administração Prisional, na ausência de vaga no regime semiaberto, determinou o cumprimento da pena em regime fechado. No HC impetrado anteriormente no STJ, pendente de julgamento do mérito, a liminar foi indeferida, e J.E.R. permanece preso. Na Supremo, a defesa alegou que o acusado estuda à noite e tem família constituída, e a prisão em regime fechado o impede de frequentar as aulas da faculdade, na qual se formaria no fim de 2011, e de trabalhar para sustentar os quatro filhos. Ao manifestar seu voto, o ministro Gilmar Mendes observou que a situação é corriqueira no sistema prisional brasileiro, e que na própria jurisprudência do STF encontram-se posicionamentos divergentes sobre se, nesses casos, a pena deve ser cumprida em regime mais gravoso ou mais brando. “Tenho para mim que o réu não pode arcar com a ineficiência do Estado, que, por falta de aparelhamento, imputa-lhe regime menos gravoso do que o fixado na sentença”, afirmou. Diante do “patente constrangimento ilegal”, seu voto, seguido pelos demais ministros da Turma, foi no sentido de superar a Súmula 691 do STF. Súmula vinculante Durante o julgamento, o presidente da Segunda Turma e vice-presidente do STF, ministro Ayres Britto, informou que a Defensoria Pública da União formulou proposta para que a Corte edite uma súmula vinculante sobre a situação, que impõe administrativamente um regime penitenciário mais gravoso do que o fixado na sentença condenatória na ausência de vagas. A matéria teve repercussão geral reconhecida no Recurso Extraordinário (RE) 641320, também da relatoria do ministro Gilmar Mendes.

Fonte: Supremo Tribunal Federal

terça-feira, 20 de março de 2012

Direito penal de trânsito

A 2ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo reformou a sentença que condenou um homem por dirigir embriagado. O crime aconteceu em fevereiro de 2009, na cidade de Dracena. De acordo com o Ministério Público, o acusado dirigia em via pública uma motocicleta quando foi abordado por policiais em uma blitz, que perceberam sinais de embriaguez. Ele foi submetido ao teste do bafômetro e encaminhado para o plantão, para coleta de sangue, onde os testes constataram concentração de álcool por litro de sangue superior ao permitido. A decisão de 1ª instância julgou o pedido procedente e o condenou pela prática do crime tipificado no artigo 306 do Código de Trânsito Brasileiro à pena de seis meses de detenção, em regime inicial aberto, substituída pelo pagamento de um salário mínimo para entidade pública com destinação social; além da suspensão da habilitação para dirigir veículo pelo prazo de dois meses. Insatisfeito com o desfecho, recorreu da sentença. Para o relator do processo, desembargador Paulo Rossi, o conjunto probatório é forte o suficiente para sustentar a condenação. “Não há falar em ausência de provas ou mesmo atipicidade do fato, já que, por dirigir embriagado, o apelante expôs a dano potencial a incolumidade pública”, disse. Ainda de acordo com o magistrado, a sentença merece reparo no que diz respeito à conversão da pena privativa de liberdade em prestação de serviços à comunidade, ante a precária situação financeira do apelante. Os desembargadores Antonio Luiz Pires Neto e Ivan Marques também integraram a turma julgadora e acompanharam o voto do relator.

Fonte: Tribunal de Justiça de São Paulo

Direito penal de trânsito

A 6ª Câmara de Direito Civil do Tribunal de Justiça confirmou sentença da comarca de Videira, que negou o pedido de indenização formulado pelos pais de um jovem que, sem idade para conduzir automóveis, manobrou o veículo da família no estacionamento do edifício onde morava, até chocar-se contra um muro e morrer após despencar cerca de 30 metros.

A ação foi movida contra o proprietário do edifício e o engenheiro responsável por sua construção. A alegação era de que as paredes do prédio, simples e fracas, estavam em desacordo com exigências técnicas e contribuíram para o acidente fatal. O pedido dos pais incluía indenização por danos morais e materiais e o estabelecimento de uma pensão alimentar vitalícia.

“Não há qualquer laudo ou perícia conclusiva nos autos no sentido de que a parede do estacionamento estava em desacordo com as normas legais aplicáveis, pelo contrário, percebe-se que fora aprovada pelos órgãos administrativos competentes. Também não há falar em culpa concorrente, porquanto a conduta do menor (imprudência) aliada à conduta dos apelantes (negligência) é que deu causa ao fatídico acidente”, comentou a desembargadora substituta Cinthia Beatriz Bittencourt Schaefer, relatora da apelação.

Para ela, a instrução do processo apontou a culpa dos pais, que deixaram a chave do carro acessível ao menor. A decisão foi unânime.

Fonte: Tribunal de Justiça de Santa Catarina

sexta-feira, 16 de março de 2012

Princípio da legalidade

Uma vez respeitadas as considerações de política criminal, a intervenção penal se realiza com a observância do princípio da legalidade. Ele representa a legitimação formal do Direito penal pela ordem constitucional e foi lapidado na formula latina “nulla poena sine lege, nullum poena sine crimene, nullum crimen sine poena legalis” (Feuerbach, 1810). [1]

Para dar à fundamentação ao princípio o devido cuidado proponho a sua análise como princípio reitor da atuação legislativa em duas frentes: o princípio da legalidade criminal e o princípio da legalidade penal. Representa que ninguém poderá ser punido criminalmente por uma conduta que na época de sua ação ou omissão não era relevante ao Direito penal e que ninguém poderá responder por sanção penal diversa àquela que, como responsável exclusivo, o legislador cominou no tipo penal.

O fundamento político-liberal do princípio da legalidade criminal aperfeiçoa-se na exigência da garantia acima mencionada e que consiste na impossibilidade do Direito penal gerar intranqüilidade social no sentido de que ninguém pode responder por uma conduta que à época de sua realização não era prevista como crime. [2] O agente não pode ser surpreendido com eventual incriminação a posteriori pela prática de ação ou omissão apenas realizada pela convicção de sua licitude, porquanto, do contrário, haverá negação do princípio da dignidade humana. A propósito, afirmava Franz Von Liszt que as leis criminais constituíam a “Magna Charta libertatum dos delinqüentes”, isto é, uma garantia dos direitos do homem em face da expansiva autoridade estatal incriminadora.

No plano das fontes, como doutrina Faria Costa, “o princípio vem a traduzir-se em uma reserva de lei” [3]. Nos termos do art. 22, I, da Constituição Federal, é competência privativa da União legislar sobre Direito penal. Trata-se da fonte material do Direito penal. Significa que nenhuma unidade da federação poderá promulgar leis criminais, sendo a razão simples e de cunho político: somente o Congresso Nacional reflete a vontade da nação como um todo. Do procedimento legislativo provém a fonte formal do Direito penal. Trata-se da lei – leia-se – lei em sentido estrito (art. 5º, II). Portanto, os decretos, os princípios gerais e os costumes não constituem fontes formais [4]. Atente, assim, que o princípio da legalidade criminal além de estatal – e não estadual – é também formal.

A idéia central, portanto, é que em um Estado de direito liberal e democrático, fruto do movimento iluminista, não se pode permitir que um poder estranho ao legislativo realize a atividade de estipular leis incriminadoras. Mas como fazem Marinucci e Dolcini, deve-se questionar se essa reserva de lei seria realmente absoluta, relativa ou poderia ser tendencialmente absoluta? [5] Em outros termos, a determinação dos elementos do crime está reservada somente à esfera legislativa ou essa determinação poderá ser transferida à fonte de nível inferior ou a fonte infralegislativa só poderia especificar num plano técnico os elementos do delito individualizados em lei?

A resposta é no sentido de uma reserva de lei tendencialmente absoluta. Sigo com o delito de tráfico de drogas para tocar com as mãos essa situação. Trata-se de crime que está disciplinado sob o contexto de dezoito núcleos, mas o que se entende por substância tóxica não está fixado no preceito primário do art. 33 da Lei n. 11.343/06. É uma portaria do Ministério da Saúde, órgão do Poder Executivo, que descreve com base no princípio ativo as substâncias consideradas tóxicas (art. 66). Observe que existe a intervenção do Poder Executivo, porém limitada a nomear num plano técnico um elemento do delito já descrito pelo legislador. É possível dizer, portanto, que se trata apenas de uma integração técnica normativa que não comporta escolha política.

A remissão a um ato geral e abstrato do Executivo dá-se, geralmente, nos casos de normas penais em branco, aquelas que precisam ser complementadas em seu preceito primário, pois formulado como uma proibição genérica. Resta saber se esse tipo de norma seria compatível com o princípio da legalidade criminal? Existem argumentos favoráveis e desfavoráveis à constitucionalidade.

Invoca-se a inconstitucionalidade por dois fatores principais: a) afronta ao princípio da separação de poderes, pois, regressando ao exemplo anterior, é o Ministério da Saúde, órgão do Poder Executivo, através de portaria, que está “legislando” sobre as substâncias que devem ser consideradas ilícitas; e, b) remissão do complemento à norma de natureza inferior àquela que define o crime, ou seja, o tráfico de drogas é crime previsto em lei, mas é uma portaria que define as substâncias proibidas. A meu ver, contudo, por duas razões deve prevalecer a tese da constitucionalidade. Justifico.

Em primeiro lugar, pois o legislador – que já tem pequena capacidade de legislar – não tem nenhuma capacidade técnica para definir o elenco das substâncias consideradas proibidas. Em segundo lugar, porquanto seria impossível a publicação de uma lei penal a cada oportunidade de inovação de substância proibida. Aliás, precisamente como ensina Cerezo Mir, “pelo caráter extraordinariamente cambiante da matéria objeto de regulamentação admite-se a intervenção do Poder Executivo” [6]. Semelhante à doutrina do professor espanhol é o magistério de Faria Costa, apenas com a ressalva que a norma convocatória de seu complemento revista essencialmente a forma de lei [7]. Essa operação revela a tendência contemporânea da “administrativização do Direito Penal” [8].

Resta-me, ainda, a tarefa de destacar a vinculação legislativa com o princípio da legalidade criminal. Nesse aspecto, primeiramente, destaco que a norma incriminadora deve ser a mais precisa possível, pois quando vaga ou obscura acaba por “não proteger o cidadão da arbitrariedade, porquanto não implica uma autolimitação do ius puniendi estatal ao qual se possa recorrer” [9] e por “favorecer interpretações idiossincráticas” [10]. Significa que uma má disciplina legislativa faz do togado o real legislador violando as garantias de liberdade e segurança que devem acompanhar os particulares em termos criminais.

Posto isso, para uma definição criminal precisa duas técnicas legislativas devem ser seguidas. A primeira diz respeito à invocação casuística. Afasta-se, por conseguinte, um recurso a cláusulas gerais e, portanto, é menor a margem de equivocidade por parte do magistrado. Exemplifico: o art. 129, § 2º do Código Penal diz que a lesão corporal é de natureza grave (gravíssima, pela terminologia doutrinária) “se resulta incapacidade permanente para o trabalho; enfermidade incurável; perda ou inutilização do membro, sentido ou função; deformidade permanente; e, aborto”. Embora seja considerada uma melhor técnica se comparada à adoção de cláusulas gerais, destaco que da invocação casuística decorrem dois problemas. O primeiro se refere ao “peso físico” do preceito, isto é, o casuísmo acaba por “engordar” a lei criminal em demasia. O segundo alude ao risco de eventuais lacunas, intencionalmente deixadas em aberto pelo legislador ou como resultado de situações posteriores, serem preenchidas pela atividade judicial.

Explico detidamente essa situação. Na hipótese de lacuna originária nenhuma conseqüência decorre da atuação dos magistrados, porque configura situação de interpretação analógica, como, por exemplo, quanto aos meios de prática do homicídio qualificado: cometido com emprego de veneno, explosivo, asfixia, tortura ou qualquer outro meio insidioso ou cruel, ou de que possa resultar perigo comum (art. 121, § 2º, III). Na segunda situação, de lacuna derivada, somente o legislador pode preenchê-la sob pena de se reconhecer a possibilidade de aplicação pelo direito penal da analogia in malam partem. Exemplifico: atente ao caso do casamento e da união estável, pois o texto constitucional, para efeitos penais, equipara as duas entidades familiares (art. 226, § 3º). Logo, o casado que passar a viver maritalmente com outra mulher não responderá pelo crime de bigamia (art. 235), como não responde por este crime a mulher que contrai um casamento, mas que anteriormente vivia em união estável. Veja-se, assim, que atualmente se verifica uma situação que era marginal ou mesmo inexistente quando da promulgação do Código Penal em 1940. Porém, como adiantado, apenas o legislador poderá preencher essa lacuna sob pena de legitimar a aplicação da analogia incriminadora.

A segunda técnica para uma formulação precisa da norma penal incriminadora se refere à utilização de conceitos legislativos. São inúmeros os exemplos previstos na Parte Geral do Estatuto Penal: quanto ao tempo do crime (art. 4), ao território (art. 5, § 1º), ao lugar do crime (art. 6), ao crime consumado (art. 14), etc., mas também na Parte Especial, como o conceito de casa (art. 150, §§ 4º e 5º) ou de funcionário público (art. 327).

A precisão da norma também ocorre com o emprego de conceitos descritivos e com conceitos normativos. Os primeiros dizem respeito ao mundo externo ou natural e são percebidos empiricamente. Por exemplo: matar, sob a influência do estado puerperal, o próprio filho, durante o parto ou logo após (art. 123). Porém alertam Marinucci e Dolcini: “o emprego de conceitos descritivos não garante por completo o respeito à precisão” [11]. Os penalistas italianos têm razão, pois há várias zonas cinzentas no preceito. Primeiro, pois se exige a morte do nascente ou do recém-nascido, mas não se precisa quando ocorre o término da vida. Depois, não descreve em qual nível de estado puerperal deve encontrar-se a mulher. Por fim, não informa o limite temporal que possa caracterizar o delito quando a vítima é um recém-nascido. Tome-se outro exemplo, como a infração de incêndio (art. 250). Trata-se de descrição aberta, pois não obstante perceptível ao sentido, o que é necessário para expor a perigo um grupo indeterminado de pessoas? Igualmente, quantas pessoas são necessárias para se falar da presença de um grupo? Essas perguntas apenas alcançam resposta por meio da interpretação penal.

Os segundos (conceitos normativos) podem ser provenientes ou de normas jurídicas ou de normas extrajurídicas. Na primeira derivação, por exemplo, o conceito de “alheia”, com o qual se precisa o crime de furto (art. 155), invoca a noção civilística de propriedade (art. 1228). Mas os elementos definidores de uma espécie de delito também podem ser precisados valendo-se o juiz de uma norma jurídica penal, como no caso dos crimes omissivos impróprios, quando valora o poder-dever de agir do agente com respaldo no art. 13, § 2º do Código Penal. Trata-se de uma modalidade de “tipo penal aberto” [12].

Na segunda derivação, em geral a precisão é respeitada quando o reenvio se refere a normas técnicas, como as previstas na lei de trânsito e cuja violação integra a negligência, por exemplo. Trata-se de outro exemplo de tipo penal aberto. Ao contrário, a precisão tende a ser violada nos casos da individualização do crime depender do reforço de normas ético-sociais, pois como será possível definir ultraje público ao pudor em uma sociedade nada homogênea? A eventual imprecisão do crime de ato obsceno (art. 233), por exemplo, acaba compensada porque as normas ético-sociais se constituem em instrumentos que permitem ao juiz definir a particular cultura de que é portador o transgressor do tipo penal. Assim, por exemplo, o desfile sensual na passarela de samba no carnaval ou o nu total no verão em uma praia de nudismo não constituem ações aptas à incriminação pelo tipo legal. O mesmo se dizia em relação à existência generalizada de motéis e a não punição de seus proprietários pelo delito de casa de prostituição (art. 234) [13]. Nessa seara ainda emergem os “crimes culturalmente motivados” [14] praticados, especialmente, por imigrantes provenientes de países em que a visão cultural é diversa à brasileira. Este fenômeno, se não conduzir à atipicidade penal, deve ao menos ser aferido como uma circunstância atenuante do delito (art. 66). Pense-se, por exemplo, na bigamia (art. 235) praticada por um árabe que constitui matrimônio no Brasil já sendo casado em seu país de origem, e sendo este casamento válido perante a nossa legislação civil, ou no crime de maus-tratos (art. 136) praticado pelo pai paquistanês contra sua filha que insiste em usar roupas não adequadas à religião mulçumana em razão de nossas telenovelas.

A norma incriminadora, além de precisa, deve ser determinada, no sentido de revestir uma taxatividade. Tal técnica, com efeito, obsta a aplicação da analogia incriminadora por parte do juiz, ou seja, a aplicação da lei a fatos não previstos, porém semelhantes aos previstos, sob a base de uma mesma ratio. Sobre a taxatividade, inclusive, uma última observação é necessária. Por evidente, se quanto mais determinada é a lei criminal menos espaço há à analogia, não pode o legislador conferir ao magistrado uma “carta branca” para este efetuar a aplicação direta da analogia, ou seja, não se pode legislar um tipo legal de crime prevendo a analogia expressa [15].

A segunda frente do princípio da legalidade se refere às conseqüências da prática de uma ação criminosa. Com Beccaria se infere que “somente as leis podem indicar as penas de cada delito e que o direito de estabelecer leis não podia ser senão da pessoa do legislador, pois representante de toda a sociedade por meio de um contrato social” [16]. Significa que o princípio da legalidade penal também carrega consigo uma “exigência de garantia” [17] que se deduz da fórmula “não há pena sem prévia cominação legal”.

Portanto, deve ser o legislador, e somente ele, o responsável por cominar as penas aos tipos penais. Por certo, como todo poder estatal deriva do povo, o legislador ordinário não pode recorrer à pena como instrumento de retribuição, não pode utilizar a pena para consagrar uma idéia superior de justiça, retribuindo o mal do crime com o mal da pena, mas, ao contrário, deve pautar a cominação em algum propósito social. As ideologias de Kant e de Hegel devem ser abandonas em prol da prevalência de que as funções da pena podem ser tão-somente de cunho preventivo [18].

No âmbito da atividade legislativa o fim da pena é de prevenção geral, contudo, para Claus Roxin, não está fundada na idéia de intimidação, porém de reafirmação do direito [19]. A estratégia é bastante simples: o Estado assegura a tutela de bens jurídicos e exige que cada cidadão não se porte contrário a estes interesses, pois se atuar de maneira lesiva ou perigosa será responsabilizado para o restabelecimento da ordem jurídica. Destaco, entretanto, que a escolha da pena a ser cominada para reafirmação do direito não pode prejudicar um dos níveis da prevenção especial que irá pautar a atividade judicial. Assim, a liberdade de defini-las não pode ultrapassar a proibição constitucional [20].

Também em relação ao princípio da legalidade penal o legislador deve observar as técnicas de precisão e determinação. Contudo, por vezes isso não se verifica, pois ou o legislador não comina expressamente a espécie de pena ao delito ou tão-somente comina um quantum máximo de pena. Trata-se das normas penais imperfeitas. Ressalto que a ilegítima constitucionalidade é facilmente superável, porquanto o legislador ordinário remete a punição da infração à outra norma penal. Exemplifico. No crime de uso de documento falso (art. 304) não existe previsão expressa de nenhuma espécie de pena, sendo que o legislador remete a sua punição, por exemplo, às espécies de penas cominadas ao crime de falsificação de documento público (art. 297) ou de documento particular (art. 298) ou de falsidade ideologia (art. 299) [21]. Em vários delitos do Código Eleitoral (arts. 289, 290, 291, etc.) o legislador não prevê expressamente aos respectivos tipos penais um mínimo de pena a que o juiz está vinculado, mas o faz de forma única, frisando que o limite é variável de acordo com as espécies de pena privativa de liberdade, ou seja, “de quinze dias para a de detenção e de um ano para a de reclusão” (art. 284) [22].

Mas por vezes há situações em que o legislador prevê expressamente as espécies de pena, mas não fixa com precisão o seu conteúdo. São os casos, a meu ver, de normas penais com diferença elástica entre o limite mínimo e o limite máximo de sanção e as normas penais sem determinação do quantum máximo de pena. Estes casos, por constituírem excessos da parte do legislador e que podem conduzir a uma ilegalidade constitucional não apenas aparente trabalharei quando estudar o controle da atividade legislativa por intermédio do Poder Judiciário. Mas isso fica para outro momento!
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[1] Historicamente há quem doutrine que a primeira revelação do princípio derivou da Charta Magna ou Charta libertatum inglesa de 1215, outorgada aos nobres pelo Rei João sem Terra. Todavia, o art. 39 do antigo documento apenas reconhecia que a vontade real deveria estar sujeita à lei, ou seja, destacava o juízo legal. A propósito: MARTÍNEZ, Rosario. El Principio de la Legalidad. Valencia: Tirant lo Blanch, 2004, p. 16 e ss. Destacando que o preceito referido continha “a ideia fundamental da limitação da autoridade estatal em face da liberdade individual, que, no século XVII, seria desenvolvida com Jonh Locke e depois, no século XVIII, Montesquieu configuraria no seu famoso O Espírito das Leis”, consultar: HOFFBAUER, Nelson Hungria. Comentários ao Código Penal. Rio de Janeiro: Forense, 1958. Com o publicista francês, inclusive, nasceu a doutrina da divisão de poderes como forma de impedir a usurpação da função exclusiva do Legislativo. Em síntese, apenas a letra da lei pode dizer o que é proibido. Esta tese é reforçada posteriormente com a monumental obra Dos Delitos e das Penas publicada por Cesare Beccaria em 1764. Portanto, constata-se que a doutrina da legalidade é fruto do Ilumismo. Nesse sentido, entre outros: PULITANÒ, Domenico. “Sull’interpretazione e gli interpreti della legge penale”, em Studi in Onore di Giorgio Marinucci. Milano: Giuffrè, 2006. A respeito da atualidade da obra de Beccaria, consultar: COSTA, José de Faria. “Ler Beccaria Hoje”, en Boletim de Direito da Universidade de Coimbra, n. 74. Coimbra, 1998. Delimitando o princípio como a “matriz política institucional” no sentido que a produção da lei penal é monopólio do poder representante da vontade popular segundo à Constituição: MARINUCCI, Giorgio; DOLCINI, Emilio. Manuale di Diritto Penale. 3ª ed. Milano: Giuffrè, 2009. Há controvérsia sobre qual o primeiro Código Penal a incorporar o seu conteúdo, informando Nilo Batista tratar-se do Código Penal da Áustria (1787). Vide: BATISTA, Nilo. Introdução Crítica ao Direito Penal Brasileiro. Rio de Janeiro, 2007, p. 66. Por tradição, no Brasil, o princípio da legalidade é uma garantia constitucional e uma norma penal. Presente desde a Constituição de 1824 (art. 179, III) sofreu variações nas posteriores (1891, 1934, 1937 e 1946). O Código Criminal do Império de 1830, aliás, foi o primeiro Código autônomo da América Latina que previu o princípio. Também estava previsto no Código Penal da República (1890). Atualmente a fórmula está positivada no Código Penal (art. 1°) e no texto constitucional (art. 5°, XXXIX).

[2] Dias, Jorge de Figueiredo. Direito Penal. Coimbra: Coimbra, 2004, p. 182, disserta que “um agente somente pode ser punido por um fato descrito como crime por uma lei anterior ao momento de sua prática”.

[3] COSTA, José de Faria. Noções Fundamentais de Direito Penal. 2ª ed. Coimbra: Coimbra, 2009, p. 129

[4] BOCKELMANN, Paul; VOLK, Klaus. Direito Penal. Parte Geral. Trad. Gercélia Batista Mendes. Belo Horizonte: Del Rey, 2007, p. 19, afirmam “proíbe-se a criação de novos tipos penais com base no direito consuetudinário. Este surge a partir de costume duradouro e praticado na convicção jurídica das parcelas da população interessadas na regulação legal e que tomam parte nessas práticas, como, por exemplo, o não-pagamento de uma dívida não é, contrariamente à opinião geral, punível”. Não podem ser considerados fontes legitimadoras da norma criminal por três motivos. O primeiro – e fundamental – porquanto não emanam do poder de representação popular, pois “não se pode aceitar a sobreposição do sentido social ao sentido legal, pois não faz qualquer sentido no âmbito do Direito penal”. Nesse sentido: FARIA, Maria Paula Bonifácio Ribeiro. Adequação Social da Conduta no Direito Penal ou o Valor dos Sentidos Sociais na Interpretação da Lei Penal. Porto: Publicações Universidade Católica, 2005, p. 799. Em segundo lugar, porque são vagos e indeterminados. Finalmente, porque não se pode esquecer a exigência de uma lei escrita, certa e prévia. Isso não significa, contudo, que eles são escassos de valor jurídico. No sentido de servirem como um meio de “densificação do conteúdo de conceitos normativos de que a lei se serve ao descrever os seus tipos legais de crime, como, por exemplo, a noção de pudor”, vide: COSTA, José de Faria. Noções Fundamentais de Direito Penal. Coimbra: Coimbra, 2009, p. 133. Sobre a capacidade de permitirem a redução das margens de criminalização recomendo a leitura dos autores alemães. Em síntese, aduzem que os costumes podem limitar a punibilidade de algumas condutas. Textualmente: “aqui repousa a faculdade da jurisprudência de desenvolver causas de justificação e absolvição supralegais”. Essa relevância também é destacada pelos penalistas italianos especialmente no que se refere aos crimes contra a família. Por todos, por exemplo: PISAPIA, Domenico. “Evoluzione del costume e riflessi penalistici”, in Studi in Memoria di Pietro Nuvolone. Milano: Giuffrè, 1991, p. 169, do qual se extrai de forma literal que foi “a intervenção do Tribunal Constitucional Italiano declarando a igualdade jurídica entre os cônjuges que determinou a ilegitimidade da incriminação do adultério”. Mas é importante destacar que a repetição constante e uniforme de uma conduta não tem o poder de derrogar uma lei escrita. Portanto, a lei criminal apenas pode ser revogada, total ou parcialmente, por outra lei criminal, mas jamais por meio de um costume. Legitimando essa afirmação, entre os italianos: PETROCELLI, Biagio. Principi di Diritto Penale. Napoli: Jovene, 1955; e, entre os portugueses, aduzindo que não é somente a atividade legislativa de criminalização dependente de lei formal, mas também a atividade de descriminalização, vide: MIRANDA, Jorge; MEDEIROS, Rui. Constituição Portuguesa Anotada. Coimbra: Coimbra, 2005. Eis porque se pode mencionar um “princípio de identidade dos modos de legislar, quer quanto à criminalização, quer quanto à descriminalização”. Nesse sentido, taxativamente: COSTA, José de Faria. Noções Fundamentais de Direito Penal. 2ª ed. Coimbra: Coimbra, 2009, p. 131.

[5] MARINUCCI, Giorgio; DOLCINI, Emilio. Manuale di Diritto Penale. 3ª ed. Milano: Giuffrè, 2009, p. 45.

[6] CEREZO MIR, José. Curso de Derecho Penal Español. Parte General. Madrid: Tecnos, 1997, p. 156.

[7] COSTA, José de Faria. Noções Fundamentais de Direito Penal. 2ª ed. Coimbra: Coimbra, 2009, p. 131-132.

[8] SANTOS, Juarez Cirino. Direito Penal. Parte Geral. Curitiba: Lumen Juris, 2006, p. 50.

[9] ROXIN, Claus. Derecho Penal. Parte Generale. Fundamentos. La Estructura de la Teoría del Delito. 2ª ed. Trad. Luzón Peña, Miguel Díaz y García Conlledo e Vicente Remesal. Madrid: Civitas, 1997, p. 169.

[10] SANTOS, Juarez Cirino. Direito Penal. Parte Geral. Curitiba: Lumen Juris, 2006, p. 23.
[11] MARINUCCI, Giorgio; DOLCINI, Emilio. Manuale di Diritto Penale. 3ª ed. Milano: Giuffrè, 2009, p. 49.

[12] Welzel, Hans. Direito Penal. Campinas: Romana, 2003, p. 50.

[13] Santos, Juarez Cirino. Direito Penal. Parte Geral. Curitiba: Lumen Juris, 2006, p. 22.

[14] Marinucci, Giorgio; Dolcini, Emilio. Manuale di Diritto Penale. 3ª ed. Milano: Giuffrè 2009, p. 51.

[15] Emblemático, nesse sentido, era o texto do delito de redução a condição análoga à de escravo (art. 149). Antes da alteração ocorrida com a Lei n. 10.803/03 “reduzir alguém a condição análoga à de escravo” era ação punida com pena de reclusão, de dois a oito anos. Este dispositivo violava o princípio da legalidade, pois o legislador não indicava quais eram as condições análogas à escravidão. Era uma norma aberta e que antecipava a aplicação da analogia pelo juiz. Assim, por ser absolutamente insustentável sob um viés constitucional foi objeto de reforma. A redação atual é legítima porque formula norma penal em que se vinculam quais são as situações de redução a condição análoga à de escravo: submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, sujeitando-o a condições degradantes de trabalhos, etc.

[16] BECCARIA, Cesare. Dos Delitos e das Penas. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2007.


[17] MARINUCCI, Giorgio; DOLCINI, Emilio. Manuale di Diritto Penale. 3ª ed. Milano: Giuffrè, 2009, p. 51.

[18] Informando que a forma mais primitiva de compensação foi a Lei de Talião: MARINUCCI, Giorgio; DOLCINI, Emilio.Manuale di Diritto Penale. 3ª ed. Milano: Giuffrè, 2009, p. 4. O fundamento desta teoria provém do idealismo kantiano que orientava seus ideais na consagração da justiça, ou seja, a pena prevalece como resultado da idéia de justiça ou, pune-se, porque é justo punir, sem qualquer finalidade ulterior. Em síntese, puni-se com olhos voltados apenas ao passado. Elucidando que “a essência da pena criminal reside na retribuição, expiação, reparação ou na compensação do mal do crime. Se, apesar de ser assim, a pena pode assumir reflexos socialmente relevantes, nenhum deles contende com sua essência e natureza, nem se revela suscetível de modificá-la: essa essência e natureza são exclusivas do fato que (no passado) se cometeu, é a justa paga do mal com que o crime se realizou, é o justo equivalentedo dano do fato e da culpa do crime”, vide: DIAS, Jorge de Figueiredo. Direito Penal. Coimbra: Coimbra, 2004, p. 52. Ainda vale transcrever parte de nota explicativa redigida por FRAGOSO no qual enuncia discurso de HUNGRIA quando das Jornadas de Derecho Penal realizadas em Buenos Aires em 1960: “também eu fui partidário convencido da pena-retribuição. Como tal fui um dos autores de um Código eminentemente retribucionista, que é o nosso Código. Mas a lição e a experiência dos acontecimentos do mundo atual me levaram a uma revisão do meu pensamento, para renegar, para repudiar, de uma vez para sempre, a pena-castigo, a pena-retribuição, que de nada vale e é de resultado ineficaz. A pena-retributiva jamais corrigiu alguém”. Assim: FRAGOSO, Heleno Cláudio. Comentários ao Código Penal. Rio de Janeiro: Forense, 1977, p. 14.

[19] ROXIN, Claus. Problemas Fundamentais de Direito Penal. Trad. Ana Paula Luís. Lisboa: Vega, 1993, p. 33. Na teoria da prevenção geral, em síntese, a pena se legitima como um meio de orientação de condutas futuras aos outros membros da comunidade. Primeiro sob um aspecto negativo, ou seja, de intimidação ou de medo, no qual é um mecanismo psicológico que visa, em definitivo, afastar o impulso à delinqüência. Depois, com aspecto positivo, revelando a atuação estatal à comunidade. Ao assumir a orientação cultural da coletividade acaba por reforçar a confiança desta quanto à missão estatal de proteção de bens jurídicos. O conhecimento pelos membros da comunidade das normas jurídicas é uma condição de efetividade da teoria da prevenção geral, mas não a única, porquanto a certeza da punição dentro de um prazo legal também é imprescindível. Salientando o aspecto da infalibilidade da pena: “a certeza do castigo, ainda que pequeno, uma vez aplicado, tem maior efeito do que a não aplicação de uma grande pena”, vide: BECCARIA, Cesare. Dos Delitos e das Penas. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2007.

[20] “Não haverá penas: a) de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do art. 84, XIX; b) de caráter perpétuo; c) de trabalhos forçados; d) de banimento; e) cruéis” (art. 5º, XLVII).

[21] No mesmo sentido em relação ao delito de genocídio previsto no art. 1º da Lei n. 2.889/56: “quem, com a intenção de destruir, no todo ou em parte, grupo nacional, étnico, racial ou religioso, como tal: a) matar membros do grupo; b) causar lesão grave à integridade física ou mental de membros do grupo; c) submeter intencionalmente o grupo a condições de existência capazes de ocasionar-lhe a destruição física total ou parcial; d) adotar medidas destinadas a impedir os nascimentos no seio do grupo; e) efetuar a transferência forçada de crianças do grupo para outro grupo. Será punido: com as penas do art. 121, § 2º, do Código Penal, no caso da letra a; com as penas do art. 129, § 2º, no caso da letra b; com as penas do art. 270, no caso da letra c; com as penas do art. 125, no caso da letra d; com as penas do art. 148, no caso da letra e”.

[22] No Código Penal Militar infere-se a mesma técnica, informando o legislador em preceito distinto aquele no qual define às infrações militares que “o mínimo da pena de reclusão é de um ano e o mínimo da pena de detenção é de trinta dias” (art. 58). Também nesse caso não há inconstitucionalidade.

Tentativa de furto

Valendo-se da sua condição de funcionário do setor de açougue de um supermercado de Maringá (PR), P.R.S.F., na manhã de 6 de novembro de 2010, pesou algumas carnes, com valores abaixo dos preços, e, após afixar as etiquetas com os valores nos pacotes, colocou mais carnes neles antes de fechá-los. Depois dirigiu-se ao caixa para efetuar o pagamento de sua compra, momento em que foi surpreendido pelo proprietário do supermercado, que constatou a tentativa de furto. A Polícia Militar foi avisada e o funcionário foi preso em flagrante.

Em razão dessa conduta irregular, P.R.S.F. foi condenado à pena de 4 meses de reclusão e ao pagamento de 2 dias-multa. Ele incorreu nas sanções do art. 155, § 4.º, inciso II, combinado com o art. 14, inciso II, ambos do Código Penal (furto qualificado na forma tentada). A pena de reclusão foi substituída por uma pena restritiva de direitos.

Essa decisão da 5.ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Paraná manteve, por unanimidade de votos, a sentença do Juízo da 3.ª Vara Criminal da Comarca de Maringá que julgou procedente a denúncia oferecida pelo Ministério Público.

Inconformado com a decisão de 1.º grau, o réu interpôs recurso de apelação pedindo que fosse aplicada somente a pena de multa.

O relator do recurso, desembargador Marcus Vinícius de Lacerda Costa, em seu voto, ponderou: No caso ora em análise, o magistrado, ao analisar o contido nos autos, optou pela diminuição da pena privativa de liberdade, em seu grau máximo, sendo 2/3 (dois terços). A pena foi fixada em 4 (quatro) meses de reclusão, e o pagamento de 2 (dois dias-multa, a qual foi substituída por uma restritiva de direitos.

E acrescentou: Desta feita, o recorrente já foi beneficiado, com a redução da pena, impossibilitando que se aplique, somente, a pena de multa. Além disso, não há como afastar a sanção pecuniária imposta juntamente com a pena privativa de liberdade, pois violaria o princípio da legalidade, já que esta decorre do preceito secundário da norma incriminadora.

Fonte: Tribunal de Justiça do Paraná

Aborto anencefalia

Os desembargadores da 2ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio, por unanimidade, garantiram a uma jovem de 25 anos o direito de interromper sua gravidez de feto portador de anencefalia. O habeas corpus preventivo foi impetrado pelo defensor público Nilsomaro de Souza Rodrigues, em face do juízo da 4ª Vara Criminal de Duque de Caxias. A Câmara determinou a expedição imediata de alvará para a realização do procedimento médico necessário, de acordo com o pedido formulado na ação.

O desembargador-relator, José Muiños Piñeiro Filho, disse na decisão que o fato em questão trata-se antes de tudo de um problema de saúde pública, e não apenas de um problema jurídico. Ele fez críticas à omissão estatal em tornar efetivo o direito social à saúde, garantido pela Constituição Federal, e alertou que as reiteradas negativas de autorização para a interrupção da gestação ou a demora do Judiciário em analisar os pedidos podem culminar com a realização do procedimento em clínicas clandestinas, resultando em alta taxa de morbidade materna.

Segundo o magistrado, não é possível se omitir diante de problema grave como o da jovem grávida: “O Estado brasileiro destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, o bem-estar, o desenvolvimento e a Justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, exatamente como disposto no Preâmbulo da Constituição, não pode se acovardar e, mais uma vez, se omitir diante de tal realidade”.

Para o magistrado, “a ausência de norma escrita não é, e jamais será óbice a que se preste a jurisdição, especialmente diante de todas as normas constitucionais”.

Segundo a decisão, a literatura médica considera a anencefalia uma malformação tão grave que a qualifica como “monstruosidade caracterizada pela ausência de cérebro e da medula. Quando chega a nascer, pouco lembra a aparência de um ser humano, tem apenas traços humanóides”. Mas o desembargador lembra que, como alguns sobrevivem por dias, a controvérsia se instala e há quem impetre ação para sustentar a viabilidade da vida.

Conforme a decisão, a ação constitucional do habeas corpus foi aceita neste caso, pois ficou caracterizado risco à liberdade física da paciente e violação ao princípio da dignidade humana. O relator afirmou ainda que a decisão também encontra respaldo na liminar concedida pelo Pleno do Supremo Tribunal Federal no tocante à matéria para suspender processos dessa natureza.

Além do desembargador José Muiños, também votaram os desembargadores Cláudio Tavares e Kátia Jangutta.

Fonte: Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro

Direito penal de trânsito

O Tribunal do Júri de Brasília condenou a dez anos de reclusão em regime inicial fechado e a 83 dias-multa um motorista julgado por homicídio. Em sessão que durou mais de 14 horas, o corpo de jurados deu o veredito a um processo que já teve até recurso ao STF.

De acordo com a denúncia, no dia 24.01.2004, por volta de 02h40min, na via sobre a Ponte Juscelino Kubitchek-JK, sentido Plano Piloto - Lago Sul, o denunciado Rodolpho Félix Grande Ladeira, dirigindo (...) veículo Mercedez-Benz/C230, (...) imprimiu velocidade incompatível com o local, alcançando 165 KM/h. Narra ainda a peça acusatória que em virtude desta ação, o acusado colidiu na parte posterior direita do VW/Santana (...) que trafegava à sua frente, conduzido por Francisco Augusto Nora Teixeira, provocando neste os ferimentos (que foram) causa eficiente de sua morte. Para o Ministério Público, ao conduzir o veículo da forma como foi descrita, imprimindo velocidade de 165 Km/h, quando a velocidade máxima permitida na via era de 70 Km/h, o denunciado assumiu o risco da ocorrência do resultado, bem como expôs ao perigo comum as pessoas que ali trafegavam. A conduta dolosa na forma eventual é aquela em que o sujeito assume o risco de produzir o resultado.

Durante a instrução processual, várias testemunhas reiteraram que o veículo trafegava em alta velocidade e algumas afirmaram que teriam notado a presença de um outro carro, um Gol, que, aparentemente, fazia um pega ou racha, com o veículo dirigido pelo réu. Ao ser interrogado durante o julgamento se estaria participando de um racha quando ocorreu o acidente, Rodolpho respondeu que de forma alguma e acrescentou que não sabe precisar em que velocidade estava, mas que poderia ser algo em torno de 120 km/h e não de mais de 160 km/h, conforme o laudo oficial. Emocionou-se ao falar dos filhos e dos problemas pessoais pelos quais estaria passando na época, aos 21 anos.

De acordo com o processo, antes do evento (o réu) teve outros envolvimentos com o mesmo modus operandi, ou seja, colisão com veículos por excesso de velocidade e (...) após o evento também se envolveu em outro acidente automobilístico. Ainda cabe recurso.

Fonte: Tribunal de Justiça do Distrito Federal

Crime de tortura

Vinte e duas testemunhas de acusação foram ouvidas em dois dias de audiência para a instrução e o julgamento de um processo criminal em Nanuque, no Vale do Mucuri. A audiência, que inicialmente estava prevista para durar a semana toda, foi interrompida hoje, 14 de março, porque duas testemunhas de acusação precisarão ser ouvidas por cartas precatórias. Somente após a oitiva dessas duas pessoas é que as testemunhas da defesa poderão ser ouvidas e os réus, interrogados. O processo apura denúncia do Ministério Público de um episódio de tortura que teria sido conduzido por policiais militares e agentes penitenciários contra presos recolhidos no Presídio Regional de Nanuque.

No primeiro dia, a audiência começou às 13h e foi suspensa às 22h. Na ocasião, 12 testemunhas de acusação, das 15 previstas, foram ouvidas pela juíza Patricia Bitencourt Moreira, da 2ª Vara Cível/Criminal/Execuções Penais. Ontem, a audiência começou às 13h e foi suspensa às 20h40. Dez testemunhas, das 13 previstas, foram ouvidas. No total, 53 testemunhas foram arroladas pelas partes.

Segundo a denúncia do Ministério Público (MP), cinco policiais e seis agentes penitenciários, em 11 de setembro de 2011, teriam submetido diversos presos a tortura. O crime teria sido cometido no Presídio Regional de Nanuque. Entre as condutas dos 11 acusados foram citados disparos com munição de borracha, lançamento de spray de pimenta e agressões, com chutes, murros e o uso de uma espécie de cacetete.

Confissão

A denúncia aponta que a violência física e psicológica teria começado enquanto os presos estavam dentro das celas e, posteriormente, teve continuidade no corredor que dá acesso à quadra de banho de sol. O MP afirma que muitas vítimas foram espancadas quando estavam algemadas e de joelhos. As agressões teriam durado cerca de uma hora.

O MP alega que a sessão de tortura teria tido início porque os policiais e agentes penitenciários queriam castigar os presos pelo início de um tumulto nas celas. A violência física e psicológica contra eles teria ainda o objetivo de obter dos presos a confissão de quem seriam os líderes da confusão no presídio.

A pedido do MP, os 11 réus foram cautelarmente afastados de suas atividades, sem prejuízos dos vencimentos, até o final do processo.

Ainda não há data prevista para a retomada da audiência, que depende, fundamentalmente, do retorno das cartas precatórias expedidas para a oitiva das testemunhas de acusação.

Fonte: Tribunal de Justiça de Minas Gerais