quinta-feira, 29 de maio de 2014

Redução a condição análoga à de escravo

Dezenove pessoas trabalhavam em condições precárias em carvoarias em Alcinópolis 

O juiz federal Ricardo Uberto Rodrigues, da 1ª Vara Federal de Coxim, Mato Grosso do Sul, condenou à pena de reclusão dois acusados em explorar 19 pessoas em condições análogas a de escravo no município de Alcinópolis, em 2007. Os trabalhadores exerciam as atividades em carvoarias dentro de duas fazendas em situações degradantes de serviço. 

A decisão, publicada no Diário Oficial da Justiça Federal da 3ª Região em 1º de abril, fixou a pena em três anos e seis meses de reclusão e ao pagamento de 153 dias-multa ao proprietário da fazenda, que poderá recorrer em liberdade. O outro condenado, arrendatário da outra fazenda, deverá cumprir a dois anos e nove meses em regime de reclusão e ao pagamento de 130 dias-multa, substituídas por prestação de serviços à comunidade e ao pagamento de prestação pecuniária no valor de R$ 10 mil. 

Na ação penal pública, o magistrado acatou a denúncia oferecida pelo Ministério Público Federal que pedia a condenação dos acusados por não cumprirem as obrigações assumidas no Termo de Ajustamento de Conduta, no qual se comprometeram a destruir os fornos das carvoarias e a pagar as verbas trabalhistas devidas aos empregados. As irregularidades foram comprovadas por inquérito policial e por fiscalização de auditores fiscais do Trabalho. 

Em 8 de maio de 2007, uma operação realizada pelo Grupo Especial de Fiscalização Móvel da Delegacia Regional do Trabalho em Mato Grosso do Sul efetuou diligências para apurar a exploração de trabalho escravo em carvoarias nas duas fazendas, localizadas no município de Alcinópolis. Foram constatadas existência de uma bateria de fornos de produção de material vegetal e trabalhadores submetidos a condições degradantes de trabalho. 

O relatório de inspeção apontou uma série de irregularidades relativas às condições de trabalho, moradia, segurança e higiene em quatro focos de produção de carvão. Eles não possuíam registro em sua carteira de trabalho e estavam sem receber salários nos últimos três meses. Os trabalhadores foram resgatados e transportados até o município de Coxim (MS), onde permaneceram até a conclusão dos cálculos indenizatórios individualizados. 

Para o juiz federal, a prova nos autos é suficiente para configurar o crime previsto no artigo 149 do Código Penal, ou seja, “reduzir alguém à condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto”. 

O magistrado relatou que a restrição da liberdade não necessita ser direta, ostensiva e violenta. “Tal restrição pode se dar de forma indireta, subliminar e moral. Para tanto, basta que a vontade do empregado seja subjugada pela vontade do empregador. Basta que as próprias condições de trabalho oferecidas acarretem tal subjugação, de forma a impossibilitar a manifestação de vontade pelo empregado, ou mesmo a realização de sua vontade, como, aliás, ocorreu na espécie dos autos”, afirmou. 

A sentença destaca a gravidade da situação pelo fato das vítimas serem analfabetas e por serem mais facilmente controladas e subjugadas pelos empregadores. E também por estarem abandonadas em condições precárias de trabalho, longe de suas famílias, sem acesso à informação e aos meios de transporte e coagidos pela possibilidade de perda da remuneração em relação ao trabalho prestado. 

O juiz também deixou de acatar a alegação dos acusados de que não tinham a consciência ou a vontade de subjugar os trabalhadores. “Os réus, ao permitirem que trabalhassem naquelas condições, no mínimo, assumiram o risco de tal resultado, cuja ocorrência, ademais, é irrefutável. Com efeito, o que se extrai dos autos é que, em pleno Século XXI, sai de cena o Senhor de Engenho e assume o posto o Senhor da Carvoaria, para tristeza de um país que pretende ser rico e sem pobreza”, finalizou. 

Ação penal pública recebeu o número 0000398-65.2008.403.6007. 

Fonte: Tribunal Regional Federal da 3ª Região

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